25 Abril: SNS ainda «faz inveja» na Europa, diz António Arnaut
31-Mar-2014
O socialista António Arnaut defendeu que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma das principais conquistas do 25 de Abril e «faz inveja a muitos países» da Europa, apesar da alegada desqualificação «em benefício dos privados».
Em entrevista à agência “Lusa”, o fundador do SNS realçou que este serviço público, «trave mestra do Estado Social e da democracia» em Portugal, foi alvo de ataques «que obedeceram a um plano» de sucessivos governos.
Considerado uma conquista social «filha primogénita da Revolução de Abril», o Serviço Nacional de Saúde «tem sido nos últimos anos – e não apenas com este Governo – objeto de uma desqualificação no sentido de o degradar em benefício dos privados», acusou.
«As malfeitorias que fizeram ao SNS foram programadas», reiterou António Arnaut, considerando que diferentes governos quiseram «desqualificá-lo progressivamente», para que «a classe média preferisse a medicina privada, em benefício dos grupos privados de saúde».
Esta desqualificação passou pelo «impedimento de contratar pessoal», sobretudo médicos e enfermeiros, «restrição de medicamentos e certos meios auxiliares de diagnóstico» e imposição de «taxas moderadoras excessivas, que são verdadeiras formas de co-pagamento», segundo o antigo ministro de Mário Soares.
O SNS chegou a ser «um dos mais qualificados da Europa e do mundo, com indicadores sanitários conhecidos que agora se estão a degradar», lamentou, embora salientando que «o país tem hoje uma estrutura física e técnica que faz inveja a muitos outros países» da União Europeia.
«E chegámos ao panorama hoje conhecido, com dificuldade de acesso e pessoas que morrem sem assistência médica», criticou.
A propósito, Arnaut recordou casos recentes, como o de um jovem que sofreu um acidente grave, na zona de Chaves, mas teve de ser assistido num hospital de Lisboa, ou de uma mulher a quem foi diagnosticado «um cancro em estado avançado» após ter esperado dois anos por uma colonoscopia.
«Quem é que é responsável por isso? Tem de ser o ministro da Saúde e o Governo em geral. E nós somos também todos responsáveis por não levantarmos a voz» em defesa desta «grande conquista» do 25 de Abril, concluiu.
Enumerando «as três faces inseparáveis» do regime democrático – «democracia política, democracia económica e democracia social» -, Arnaut afirmou que «tudo isto está em causa» e não apenas o SNS.
«Já não temos praticamente democracia digna deste nome. Estamos uma situação comparável, em muitos aspetos, ao pré-25 de Abril, de medo, pobreza e desemprego», considerou.
Quando eclodiu a Revolução dos Cravos, em 1974, o futuro deputado do PS na Assembleia Constituinte «tinha saudades do futuro», após ter integrado a oposição à ditadura de Salazar e Caetano.
Quarenta anos depois da Revolução dos Cravos, «digo que tenho saudades do 25 de Abril», revelou, para ressalvar, porém, que, em termos gerais, a atual situação «é muito melhor» do que era em 1974.
Contudo, na sua opinião, «os pobres estão a ser excluídos da democracia e dos direitos», como o direito à saúde, mas também ao trabalho e à educação.
Recordando a luta antifascista em que esteve envolvido, disse que os democratas devem «voltar ao imperativo ético e cívico» e unir-se para «defender o Estado Social e os valores da Pátria, que são a liberdade e a justiça».
«Têm de se unir, pôr de parte as divergências, que são absolutamente secundárias em relação ao interesse fundamental de salvar Portugal», acentua António Arnaut, um dos fundadores e militante número 4 do PS.
SNS ajudou a vencer «medo da doença»
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) veio «dar resposta ao medo da doença» que preocupava a maioria dos portugueses antes da sua criação, em 1979, disse à agência “Lusa” o antigo ministro socialista António Arnaut.
«As pessoas viviam atormentadas com o medo da doença», afirmou, ao realçar que o advento da democracia criou as condições políticas para instituir um serviço de saúde público, universal, geral e tendencialmente gratuito.
«O respeito pela saúde é o respeito pela vida», enfatizou.
Durante a ditadura, era costume as famílias dos meios rurais «venderem umas terras ou animais para pagar» cirurgias e outros cuidados de saúde.
Enquanto não foi criado o SNS, por iniciativa de António Arnaut, as pessoas viam-se obrigadas «a guardar algumas economias para uma doença», recordou.
Para Arnaut, os serviços «não funcionavam de forma adequada» antes da Revolução dos Cravos.
«Tínhamos três ou quatro grandes hospitais, em Lisboa, Porto e Coimbra. Noventa por cento dos recursos técnicos e humanos estavam no litoral», referiu.
Há 40 anos, o interior de Portugal, em termos de saúde, «era realmente um vazio, um deserto».
Segundo o antigo ministro dos Assuntos Sociais, a cidade da Guarda, por exemplo, «não tinha condições mínimas de tratamento».
Antes do 25 de Abril, «os portugueses iam aos hospitais e os que podiam pagar pagavam» os cuidados de saúde por inteiro.
«Os remediados pagam uma parte, eram chamados os ‘porcionistas’. E os pobres não pagavam nada se fossem munidos do atestado de indigência, assumiam a classificação de indigentes», explicou António Arnaut.
O Serviço Nacional de Saúde «implicou a construção de muitos hospitais e centros de saúde em todos os concelhos».
«O país tem hoje uma estrutura física e técnica que faz inveja a muitos outros países da Europa. E temos também recursos humanos suficientes, simplesmente não estão a ser bem aproveitados», disse.
No entanto, referiu, apesar de «o respeito pela saúde ser o respeito pela vida, há ministros que não interiorizam este valor fundamental».
Arnaut esclareceu que os primeiros centros de saúde, criados em 1971, «tinham apenas funções de prevenção», nos últimos anos da ditadura.
«Mas foi o primeiro passo», reconheceu, defendendo que o então secretário de Estado da Saúde, Gonçalves Ferreira, viria a ter «um papel importante» no desenvolvimento do SNS, aprovado pela Assembleia da República, em 1979.
No Governo de Marcelo Caetano, Gonçalves Ferreira «fez uma grande reforma na saúde, criando as carreiras médicas, uma velha reivindicação dos médicos, que tiveram um papel importante no futuro», segundo o principal impulsionador do SNS.