A revista Marketing Farmacêutico e o IPAM desenvolveram um barómetro para avaliar o sentimento dos profissionais da Indústria Farmacêutica. A avaliação do sentimento foi feita via a medição dos níveis de confiança na IF e potenciais constrangimentos. Participaram no estudo todos aqueles que trabalham numa empresa da IF e que recebem as e-newsletters da revista Marketing Farmacêutico. Foram, assim, enviados 1750 e-mails com o inquérito. Do universo de 1750 participantes obtiveram-se 132 respostas válidas. Os dados foram recolhidos entre 8 e 20 de março de 2023.
- O questionário
O questionário avalia o sentimento dos participantes do estudo em duas vertentes. A primeira, refere-se ao sentimento dos participantes relativamente à IF. O sentimento é avaliado com recurso a quatro questões:
> Perspetiva para a atividade da indústria para os próximos 12 meses
Perguntou-se aos participantes do estudo se têm uma “muito boa”, “boa”, “má” ou “muito má” perspetiva relativamente à atividade da Indústria Farmacêutica para os próximos 12 meses. Esta questão tem como objetivo a obtenção de uma perspetiva de curto prazo.
> Perspetiva para a atividade da indústria para os próximos 3 anos
Perguntou-se aos participantes do estudo se têm uma “muito boa”, “boa”, “má” ou “muito má” perspetiva relativamente à atividade da Indústria Farmacêutica para os próximos 3 anos. Esta questão tem como objetivo a obtenção de uma perspetiva de médio prazo.
> Net Promoter Score
Avaliou-se a perspetiva futura e de longo prazo da IF ao perguntar se os participantes recomendariam a um familiar ou a um amigo uma carreira numa empresa a operar nesta indústria. Esta questão foi baseada na metodologia Net Promoter Score (NPS). O inquirido dispõe de uma escala de 0 a 10. Se escolher as opções 10 ou 9, é classificado como promotor de uma carreira na IF; 8 ou 7 é neutro/passivo, é indiferente a uma carreira nesta indústria. De 6 até 0, é classificado como detrator, não recomenda uma carreira numa empresa da IF. Alcança-se o valor absoluto de NPS subtraindo os detratores aos promotores.
> Perspetivas de investimento no próximo ano
Perguntou-se aos participantes quais os planos das suas empresas relativamente a investimentos no próximo ano: aumento, manutenção ou redução de investimento.
Uma segunda vertente do estudo visa identificar constrangimentos percecionados da IF. De vários possíveis cenários, foram escolhidos nove fatores considerados relevantes para a Indústria Farmacêutica. Os fatores são diferentes entre si, mas todos poderão ter um impacto negativo nas empresas. Os participantes avaliaram os seguintes fatores: incerteza fiscal, evolução da economia, aumento da concorrência, aumento do preço das matérias-primas, ambiente laboral, dividas do setor público, alteração dos preços dos medicamentos, diminuição do headcount, desinvestimento no SNS.
A avaliação de cada um dos fatores foi feita em função do seu impacto na qualidade do sono do participante. O participante podia escolher entre cinco opções em função do fator: “Perco totalmente o sono”, “Durmo mal”, “Durmo OK”, “Durmo muito bem”, “Durmo que nem um anjo”. O fator seria relevante, e preocupante, se o participante afirmasse que estava a perder totalmente o seu sono ou a dormir mal ao pensar nele. O fator não seria preocupante se o participante escolhesse as opções “Durmo ok”, “durmo muito bem” ou “durmo que nem um anjo”. Para facilidade de análise, a escala foi redesenhada. Assim, comparam-se os valores somados do “Perco totalmente o sono” e “Durmo mal”, com os valores somados do “Durmo OK”, “Durmo bem”, “Durmo que nem um anjo”. Transformou-se a escala de Likert em 5 pontos, numa escala dicotómica.
- Características da amostra
A amostra é composta maioritariamente por profissionais da área do marketing e de vendas, representando 63% da amostra. Administradores, gerentes ou elementos da direção, representam mais de 21% da amostra. O restante da amostra é composto por elementos do departamento de Investigação e Desenvolvimento, Medical Affairs, Regulatory e por consultores. 5% da amostra ocupam outras funções no setor publico, departamento de recursos humanos e outras profissões.
A amostra é composta maioritariamente por residentes no distrito de Lisboa (56%). Os participantes do distrito do Porto representam 12% da amostra.
A amostra encontra-se equilibrada em função do sexo dos participantes: 50% são mulheres e 50 % são homens. Relativamente ao escalão etário, a maior parte da amostra (63%) tem entre 35 e 54 anos.
Relativamente às habilitações literárias, apenas 15% da amostra não tem formação ao nível do ensino superior. É de assinalar que 31% do total da amostra tem mestrado ou doutoramento.
Relativamente à dimensão das empresas, apenas 1% dos respondentes trabalham para o setor público. A maior parte dos respondentes trabalham em empresas consideradas grandes (mais de 250 trabalhadores ou mais de 50 milhões de euros de faturação anual).
- Resultados
> Perspetiva para a Indústria Farmacêutica para os próximos 12 meses.
Na generalidade, existe uma perspetiva positiva para IF para os próximos 12 meses. De facto, 62% têm uma boa ou muito boa perspetiva relativamente à IF para os próximos 12 meses. Menos de 1% tem uma perspetiva muito má e 37% da amostra tem uma perspetiva má. Ou seja, 38% da amostra tem uma perspetiva negativa. Conclui-se, assim, que existe um clima positivo a curto prazo para a maior parte dos elementos da indústria farmacêutica.
Quando se faz uma análise levando em conta a ocupação profissional, pode-se verificar que existe diferença estatística entre os profissionais da área do marketing e os profissionais da área comercial, diretores e administradores. Estatisticamente, não existe diferença entre os profissionais da área comercial e diretores e administradores, sendo a sua avaliação idêntica. Os participantes que trabalham na área do marketing são os mais positivos: 85% tem uma perspetiva positiva relativamente aos próximos 12 meses. Pouco mais de metade (52%) dos profissionais da área comercial, diretores ou administradores das empresas da Indústria Farmacêutica têm uma perspetiva positiva.
> Perspetiva para a Indústria Farmacêutica para os próximos 3 anos.
A maioria dos profissionais tem uma perspetiva positiva relativamente à atividade da Indústria Farmacêutica para os próximos 3 anos. De facto, 68% da amostra tem uma perspetiva boa ou muito boa para os próximos 3 anos. Em contraste, 32% da amostra tem uma perspetiva negativa para a IF. Porém, apenas 2% tem uma perspetiva muito má, um valor inferior aos 6% dos participantes que têm uma perspetiva muito boa para a indústria para os próximos 3 anos.
Quando de comparam as perspetivas nos diferentes horizontes temporais, pode-se observar que os participantes do estudo estão mais negativos a curto prazo, mas mais positivos a médio prazo. Assim, 62% da amostra tem uma perspetiva positiva a 12 meses, mas a três anos o valor sobe para 68%. Inversamente, 38% da amostra está negativa a 12 meses, porém o valor decai para 32% numa perspetiva a 3 anos. Pode-se concluir que, para alguns dos participantes, a IF poderá estar a passar por uma crise de curto prazo.
Quando comparamos estes dados aos resultados do 1º Barómetro da Indústria Farmacêutica, em 2019, verificamos que houve uma degradação nas expetativas a médio prazo. As expectativas a 3 anos são piores em 2023 do que eram em 2019. Em 2019, 79% da amostra tinha expectativas positivas, ao passo que em 2023 esse valor baixa para 68%. Em 2019, 21% dos participantes tinham expectativas negativas para a IF, sendo que este valor se agrava e, em 2023, 32% da amostra tem uma expectativa negativa.
Em semelhança à perspetiva de curto prazo, a ocupação profissional do participante do estudo tem também influência na perspetiva a 3 anos. Neste caso, a esmagadora maioria parte dos profissionais da área do marketing (92%) estão positivos relativamente à Indústria Farmacêutica para os próximos 3 anos. Nesta perspetiva temporal, há menos diretores, administradores e profissionais da área comercial com uma perspetiva positiva, comparativamente aos profissionais de marketing.
> Perspetivas de investimento no próximo ano
Cerca de metade dos participantes afirma que as suas organizações irão manter o seu nível de investimento. Contudo, existem mais participantes a afirmarem que irão diminuir o seu nível de investimento do que aqueles que planeiam aumentar. De facto, 22% afirmam que irão aumentar o seu investimento, contra 30% da amostra que afirma que irá diminuir.
Comparando com os cenários de investimento de 2019, pode-se verificar que existe uma diminuição na apetência para investimento. Em 2019, 34% dos participantes afirmaram que as suas empresas iriam proceder a mais investimentos. Em 2023 esse valor caiu para 22%.
Estes valores são coerentes quando se comparam os valores das perspetivas a 3 anos de 2019 e 2023. Pode-se concluir que há uma maior apreensão na Indústria Farmacêutica.
NPS
O indicador com a pior performance é o que avalia o potencial de uma carreira profissional numa empresa a operar na IF, o Net Promoter Score (NPS). De acordo com os resultados, 40% dos inquiridos são detratores, ou seja, apresentam reservas na altura de recomendar uma carreira profissional em empresas da Indústria Farmacêutica. Apenas 21% da amostra claramente recomendaria uma profissão neste setor de atividade.
O NPS, apesar de apresentar um valor negativo em 2023, é melhor do que o de 2019. A percentagem de detratores mantém-se igual (40%), mas assistimos a uma evolução positiva entre os passivos e os promotores. Existem menos passivos, o valor decaiu de 50%, em 2019, para 39%, em 2023. Ou seja, em 2023, 21% dos participantes recomendaria uma carreira na Indústria Farmacêutica. Assim, o valor do NPS é de -18.
Comparativamente a 2019, os valores do NPS melhoraram substancialmente, apesar de se manterem em terreno negativo: -18, em 2023; contra -30, em 2019.
Assim, as expectativas a 3 anos são melhores do que a 12 meses e, mais relevante, as expectativas de longo prazo, a recomendação de uma carreira na indústria, melhoram substancialmente relativamente a 2019.
Constrangimentos
Tal como foi referido, foram medidos nove fatores de possíveis constrangimentos na Indústria Farmacêutica. A relevância dos fatores e seu impacto foi medida pela qualidade do sono dos participantes do estudo. Utilizou-se uma escala de Likert com 5 pontos para avaliar a qualidade do sono. Assim, os 5 pontos incluídos na escala são: perco totalmente o sono, durmo mal, durmo OK, durmo muito bem, durmo que nem um anjo. Contudo, para efeitos de uma mais fácil interpretação dos resultados, criou-se uma escala binária a partir da escala de Likert de 5 pontos. Na escala binária, um primeiro ponto está associado a uma noite mal dormida e um segundo ponto associado a uma noite bem dormida. Assim, somaram-se os pontos “perco totalmente o sono” e “durmo mal” e transformaram-se num dos pontos da escala binária; sendo o segundo ponto da escala binária o resultado da soma dos pontos da escala Likert “durmo OK”, “durmo muito bem” e “durmo que nem um anjo”.
Os quatro fatores que mais preocupam os participantes do estudo são o desinvestimento no SNS, que retira o sono a 66% dos participantes; o aumento do preço das matérias-primas, que retira o sono a 62%; a diminuição do headcount, com impacto negativo no sono de 58% da amostra; e a evolução da economia, com um impacto negativo na qualidade do sono em 57% dos participantes do estudo.
As dividas do setor publico preocupam menos de metade da amostra, retira o sono a 45% dos participantes; o ambiente laboral tem um impacto negativo no sono de 45% da amostra; a incerteza fiscal atormenta o sono de 44% dos participantes; e a alteração dos preços dos medicamentos impacta 38% dos respondentes. O aumento da concorrência afeta o sono a apenas 23% da amostra.
É interessante salientar que estes fatores impactam os participantes da mesma forma. Características sociodemográficas, tais como profissão, idade, sexo, habilitações literárias e dimensão da empresa não têm influência nos fatores de constrangimento.
Verificou-se, contudo, que alguns fatores de constrangimento impactam a perspetiva de negócio dos participantes, quer a 12 meses quer a 3 anos. Aplicou-se um teste às diferenças das médias para entender quais os fatores de constrangimento que moldam as perspetivas de negócio.
Após aplicação do teste, a diferença de média permite concluir que há sete fatores que influenciam as perspetivas do negócio a 12 meses. Apenas o aumento da concorrência e a diminuição do headcount, não afetam a perspetiva de negócio a 12 meses. Assim, 50% dos participantes que têm uma perspetiva de negócio negativa a 12 meses, perderam o sono devido à ao aumento do preço dos medicamentos. Porém, apenas 32% dos participantes que têm uma perspetiva positiva do negócio a 12 meses perderam o sono devido a este fator. Este fator é o que tem menos impacto na perspetiva de negócio a 12 meses.
Relativamente aos fatores “dividas do setor público”, “ambiente laboral” e “incerteza fiscal”, todos impactam negativamente o sono a mais de metade daqueles que têm uma perspetiva de negócio negativa a 12 meses.
Já os que têm uma perspetiva positiva para o negócio a 12 meses, dormem, naturalmente, melhor. Os fatores “dividas do setor público” e “ambiente laboral”, retiram o sono a 38% destes participantes e a “incerteza fiscal” a 32%. Os fatores “aumento dos preços das matérias-primas”, “evolução da economia” e “desinvestimento no SNS”, são os que maior impacto têm na sua perspetiva de negócio a 12 meses.
Assim, entre os que têm uma perspetiva negativa do negócio a 12 meses, o fator “aumento dos preços das matérias-primas” retira o sono a 75%; a “evolução da economia” retira o sono a 76%; e, finalmente, o fator “desinvestimento SNS” retira o sono a 81%. Relativamente aos participantes que têm uma perspetiva positiva para o negócio a 12 meses, o “aumento dos preços das matérias-primas” afeta o sono a 53% ; a “evolução da economia” retira o sono a menos de metade (45%); e o “desinvestimento no SNS” é igualmente o fator que maior impacto tem, gerando intranquilidade a 56% destes participantes.
Existem também fatores de constrangimento que afetam as perspetivas de negócio a 3 anos. Neste caso, são seis os fatores que influenciam as perspetivas do negócio: dividas do setor publico, ambiente laboral, diminuição do headcount, aumento preços das matérias-primas, evolução da economia, aumento do preço dos medicamentos, desinvestimento no SNS. A incerteza fiscal e o aumento da concorrência não afetam a perspetiva de negócio a 3 anos.
O fator diminuição do headcount, que não tem relevância numa perspetiva de negócio a 12 meses, tem agora impacto na perspetiva de negócio a 3 anos. Assim, 78% dos participantes que têm uma perspetiva de negócio negativa a 3 anos, perde o sono por este motivo. Relativamente aos que têm uma perspetiva positiva, são 49% os que se preocupam com a diminuição do headcount. É também interessante realçar a diferença do impacto do preço das matérias-primas e do preço dos medicamentos na perspetiva a 12 meses e a 3 anos. O preço das matérias-primas retira o sono a 63% dos participantes que têm uma perspetiva negativa a 3 anos e a 37% dos que têm uma perspetiva positiva. Porém, o impacto deste fator é maior quando se mede a perspetiva a 12 meses. Assim, pode-se concluir que o impacto do preço das matérias-primas é mais sentido no curto prazo. De forma inversa, podemos observar o aumento do preço dos medicamentos. Existe uma maior preocupação com a alteração do preço dos medicamentos a médio prazo do que no curto prazo. De facto, o impacto da alteração do preço dos medicamentos retira o sono a 78% dos participantes que têm uma perspetiva do negócio a 3 anos negativa; e a 49% dos que têm uma perspetiva positiva. Este mesmo fator preocupa 50% dos que têm uma perspetiva negativa a 12 meses, retirando o sono a 31% dos que têm uma perspetiva positiva. Assim, a questão da alteração do preço dos medicamentos é algo que está a ser antecipado pela indústria não a curto, mas a médio prazo. Todos os outros fatores têm um impacto similar nas perspetivas de negócio a 12 meses e a 3 anos.
Conclusões
- A maior parte dos participantes (68%) tem uma perspetiva positiva para os próximos 12 meses. Apenas 38% da amostra tem uma perspetiva negativa.
- A mesma proporção de participantes (68%) tem uma perspetiva positiva para os próximos 3 anos, mantendo-se 38% da amostra com uma perspetiva negativa.
- Em 2023 há mais participantes com uma perspetiva negativa, quando se comparando com 2019.
- O nível de investimento planeado para 2023 é mais reduzido do que o de 2019.
- Existe, assim, um ambiente de desconfiança relativamente à atividade que fica evidenciado pelas perspetivas de investimento das empresas.
- Porém, apesar de haver uma perspetiva mais negativa para a Indústria Farmacêutica e uma intensão de redução de investimento, existem mais participantes a recomendar uma profissão na IF em 2023.
- Os participantes do estudo estarão mais desconfiados com a Indústria Farmacêutica no curto prazo.
- A evolução da economia, o desinvestimento no SNS e o aumento do preço das matérias-primas são alguns dos fatores que mais preocupam os participantes do estudo.
- O preço das matérias-primas tem um maior impacto no curto prazo e existe uma menor preocupação no médio prazo.
- Ao nível do preço dos medicamentos, este fator é mais preocupante no médio prazo do que no curto prazo.
- Os profissionais do marketing da Indústria Farmacêutica são os que estão mais otimistas.
Artigo de João Freire, Professor e Coordenador da Licenciatura Marketing Global, IPAM
jrmfreire@gmail.com
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA MARKETING FARMACÊUTICO #126.