A (aparente) importância do pagamento pelo desempenho 2762

O pagamento pelo desempenho (pay-for-performance – P4P) consiste num pagamento adicional à remuneração (geralmente um salário base), que depende do cumprimento de uma determinada medida de desempenho pré-estabelecida.1 Na saúde, normalmente o cumprimento dessa medida está relacionada com indicadores de processo de cuidados, ou com indicadores de resultados em saúde.
Em teoria, o P4P deve ajudar a impulsionar o comportamento dos profissionais de saúde para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados e, consequentemente, melhorar os resultados de saúde dos doentes a custos reduzidos.(Ref. 2)

1. O que diz a evidência científica sobre o P4P na prestação de cuidados de saúde?
Vários estudos, incluindo duas revisões sistemáticas, sugerem que o pagamento pelo desempenho não é consistentemente eficaz na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde prestados e que existe ainda uma incerteza sobre o efeito deste tipo de pagamento nos resultados em saúde dos doentes.(Ref. 2–4)
Os estudos ao nível dos cuidados de saúde primários (e em ambulatório) sugerem que as melhorias em termos de processos de cuidados ocorrem numa fase inicial, mas essa melhoria é limitada no tempo (cerca de 2 a 3 anos).2,5,6 A nível hospitalar, existe alguma evidência no efeito positivo do P4P na redução das readmissões hospitalares. (Ref. 2) A evidência sobre a melhoria dos resultados em saúde não indica um efeito positivo do P4P, contudo neste âmbito é ainda muito insuficiente nos dois níveis de cuidados. Uma das razões poderá ser a dificuldade de adequação dos indicadores para medir os resultados em saúde, bem como o tempo necessário para que surjam efeito. (Ref. 2)

2. Quais as maiores preocupações com o P4P?
Uma das maiores preocupações com o P4P é a possibilidade de exacerbar as desigualdades em saúde. Isto porque não são só as características do tipo de P4P e a capacidade dos profissionais de saúde que têm influência nos resultados obtidos. As características dos doentes, como o estatuto socioeconómico, determinam o potencial de atingir as metas propostas. Existe evidência de que os doentes com baixo nível socioeconómico representam barreiras significativas no sentido de potencial de melhoria na qualidade.4 Assim, Markovitz e Ryan (2017) defendem que grande parte da variação no cumprimento das metas definidas pelo pagamento pelo desempenho se deve a fatores sobre os quais os profissionais têm pouco controle, e que estas fontes de heterogeneidade têm que ser consideradas no esquema de P4P, sob o risco de os profissionais de saúde evitarem os doentes mais desfavorecidos. Isto seria ainda mais problemático se os incentivos incidirem sobre os resultados em saúde. (Ref. 4)

3. Faz sentido continuar a pagar pelo desempenho?
Houle et al (2012), considera que o entusiasmo pelo P4P como um meio de atingir melhor qualidade em saúde e melhores resultados em saúde é inconsistente com a qualidade da evidência científica sobre os seus benefícios e a sua efetividade. (Ref. 3) Não existe igualmente evidência sobre qual o melhor esquema de P4P que deverá ser adotado, uma vez que este tem sido implementado em diferentes contextos, com diferentes propósitos e com diferentes metas e estruturas (em termos da quantidade do pagamento, da periodicidade e do tempo). (Ref. 2,7) Ainda assim, se implementado, Mendelson et al (2017) sugerem que os incentivos foquem as áreas com o pior desempenho, uma vez que os ganhos mais consideráveis acontecem em indicadores com baixo desempenho à partida. Os autores também sugerem que o número de incentivos aplicados ao mesmo tempo sejam cuidadosamente considerados, e que os indicadores sejam regularmente revistos, modificados e descontinuados após uma melhoria sustentada. (Ref. 2) Finalmente, um ajustamento pelo risco que tenha em consideração as características socio-económicas dos doentes é fundamental. (Ref. 4)
Em contrapartida, os custos e a carga administrativa para a construção de um pagamento pelo desempenho adequadamente ajustado pelo risco, a constante monitorização e alteração nos indicadores após o atingir das metas, bem como a adequação do melhor esquema de pagamento no sentido de decisão se se devem recompensar as mudanças absolutas ou relativas, ou se as comparações devem ser feitas com base “nos pares” ou com base no desempenho prévio de cada prestador, deverão ser cuidadosamente considerados. (Ref. 2,3)

Klára Dimitrovová

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de conhecimento Nova SBE Health Economics & Management. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

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Referências

1. Flodgren G, Eccles MP, Shepperd S, Scott A, Parmelli E, Beyer FR. An overview of reviews evaluating the effectiveness of financial incentives in changing healthcare professional behaviours and patient outcomes. Cochrane database Syst Rev. 2011 Jul 6;(7):CD009255.
2. Mendelson A, Kondo K, Damberg C, Low A, Motuapuaka M, Freeman M, et al. The effects of pay-for-performance programs on health, health care use, and processes of care: A systematic review. Ann Intern Med. 2017;166(5):341–53.
3. Houle SKD, McAlister FA, Jackevicius CA, Chuck AW, Tsuyuki RT. Does Performance-Based Remuneration for Individual Health Care Practitioners Affect Patient Care? A Systematic Review. Ann Intern Med. 2012 Dec 18;157(12):889.
4. Markovitz AA, Ryan AM. Pay-for-Performance: Disappointing Results or Masked Heterogeneity? Vol. 74, Medical Care Research and Review. 2017. p. 3–78.
5. Campbell SM, Reeves D, Kontopantelis E, Sibbald B, Roland M. Effects of pay for performance on the quality of primary care in England. N Engl J Med. 2009;361(4):368–78.
6. Gillam SJ, Siriwardena AN, Steel N. Pay-for-performance in the United Kingdom: impact of the quality and outcomes framework: a systematic review. Ann Fam Med. 2012;10(5):461–8.
7. Harrison MJ, Dusheiko M, Sutton M, Gravelle H, Doran T, Roland M. Effect of a national primary care pay for performance scheme on emergency hospital admissions for ambulatory care sensitive conditions: controlled longitudinal study. BMJ. 2014;349.