Por mais surpreendente que isto possa parecer, sabe-se muito pouco sobre o custo do tratamento das condições clínicas. Quanto custa tratar o cancro do pulmão no hospital A? Quanto custa tratar a insuficiência cardíaca no hospital B? De uma forma geral, e na melhor das hipóteses, poucos saberão responder.
Isto terá sobretudo a ver com o seguinte.
Primeiro, na Saúde, existe por vezes uma confusão entre preço e custo. Em Portugal, por exemplo, diz-se frequentemente que os Grupos de Diagnóstico Homogéneo (GDH) constituem um custo da Saúde. Esta é apenas uma meia verdade. Os GDH são um custo para quem paga, mas não constituem o custo real suportado pelos hospitais. Por custo real, refiro-me a quanto o hospital pagou efetivamente ao pessoal que tratou o doente, quanto gastou com medicamentos para tratar esse doente, etc. Por outras palavras, quanto, mais cedo ou mais tarde, saiu da conta bancária do hospital para pagar o tratamento daquele doente.
Segundo, sabe-se pouco sobre o custo do tratamento das condições clínicas porque habitualmente a unidade de análise não é a condição clínica. Em vez disso, mede-se normalmente ao nível do departamento.
Não saber o custo do tratamento das condições clínicas coloca um problema sério que é a dificuldade de construir orçamentos hospitalares credíveis, i.e., que correspondam à realidade. Em Portugal, os orçamentos dos hospitais são construídos – como alguém disse um dia – “com base na experiência acumulada ao longo dos anos”, sabe-se de antemão que o dinheiro não será suficiente e que, mais cedo ou mais tarde, haverá mais uma dotação extraordinária que pagará as dívidas que, entretanto, se forem acumulando.
Os orçamentos dos hospitais têm de passar a ser construídos bottom-up. O hospital deve começar por compreender os processos clínicos que estão a ser usados para tratar um doente ao longo do ciclo de cuidados, depois identificar os recursos que estão a ser usados naquele tratamento, e saber qual é a intensidade de uso daqueles recursos.
Antes de voltar a falar de custeio propriamente dito, importa referir que fazer o mapeamento dos processos clínicos permite conhecer as etapas do processo e permite ver se existem etapas que não contribuem para melhorar os resultados de saúde do doente. Encontramos frequentemente muitas redundâncias nos processos, redundâncias que se acumularam ao longo dos anos. Fazer o mapeamento dos processos clínicos constitui por isso uma oportunidade para simplificar os processos e eliminar o desperdício que não tem absolutamente nenhuma utilidade.
Não deve o leitor inferir daqui que um corolário natural seria dizer que deve reduzir-se, ainda mais, os tempos das consultas. Antes pelo contrário. Frequentemente, a evidência mostra que, os clínicos que, no início do tratamento, gastam mais tempo com os doentes nas consultas – educando para a Saúde, garantindo a adesão do doente à terapêutica, etc. – fazem com que o tratamento e a recuperação pós-tratamento sejam muito mais rápidos e seguros do que quando os médicos gastam menos tempo nas consultas iniciais com os doentes. Uma conversa de mais uns minutos, que custará adicionalmente umas poucas dezenas de euros, se tanto, pode, na realidade, poupar milhares de euros ao evitar complicações no futuro.
Como se vê aqui também, fazer o mapeamento dos processos clínicos e ter o conhecimento aprofundado das diversas etapas que os compõem oferecem inúmeras oportunidades de melhoria de eficiência porque permite refletir depois sobre os processos e ajustar em caso de necessidade.
Existem também oportunidades de melhoria da eficiência através da redistribuição das tarefas com o objetivo de nos aproximarmos do que, em Economia, chamamos “eficiência alocativa”. Neste contexto, podemos dizer que existe eficiência alocativa quando não existe nenhuma combinação de fatores de produção mais barata para produzir aquele tratamento.
Eu bem sei que a tentação é cortar no pessoal menos qualificado quando falta o dinheiro. Corta-se no pessoal menos qualificado porque não se pode dispensar o pessoal mais qualificado, que é insubstituível no tratamento. Na prática, encontramos demasiadas vezes médicos que estão a fazer o trabalho de enfermeiros e até, por vezes, de assistentes administrativos. O valor horário do médico é muito superior ao valor horário do enfermeiro ou do assistente administrativo. Quando medicamente apropriado, deve redistribuir-se as tarefas por pessoal, menos qualificado e com salários mais baixos, mas que pode desempenhar as tarefas tão bem quanto os profissionais que estão atualmente a desempenhar estas tarefas.
Fazer o mapeamento dos processos clínicos que estão a ser usados para tratar um doente ao longo do ciclo de cuidados, identificar os recursos que estão a ser usados naquele tratamento, e conhecer a intensidade de uso daqueles recursos são passos do método de custeio TDABC, acrónimo em inglês de Time-Driven Activity-Based Costing, originalmente apresentado por Robert S. Kaplan e Steven R. Anderson.
Para além de tornar possível a elaboração de orçamentos hospitalares de baixo para cima, importa saber exatamente quanto custam os tratamentos por condição clínica porque se não soubermos quanto custa tratar uma determinada condição clínica no hospital A e no hospital B, não será possível comparar e não será possível aprendermos uns com os outros. Por que razão, para aquela condição clínica, o hospital A tem um custo superior ao custo do hospital B? Será porque o hospital A recebeu doentes com um grau superior de complexidade? Ou será que o hospital B organizou os cuidados de uma forma mais eficiente? Se soubermos quanto custa, teremos a possibilidade de aprender uns com os outros, de reduzir os custos, e frequentemente também de melhorar os resultados de saúde dos doentes. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, pelo menos no que diz respeito aos sistemas públicos de Saúde, a palavra-chave não é necessariamente competição. A palavra-chave é cooperação.
O método de custeio TDABC começa exatamente por desenvolver os mapas dos processos de cuidados para identificar as etapas que se está a percorrer ao longo do ciclo de cuidados do doente, os recursos – pessoal, equipamento, espaço – que estão a ser utilizados em cada etapa, e a intensidade de cada recurso. Na prática, “intensidade de cada recurso” traduz-se apenas em saber quanto tempo – tipicamente, minutos – cada recurso está a gastar no tratamento do doente daquela condição clínica.
O passo seguinte é calcular o custo por unidade de tempo de cada tipo de recurso. Uma vez tendo o custo por unidade de tempo, basta multiplicar o tempo que cada recurso gasta no ciclo de cuidados pelo custo por unidade de tempo do recurso. Finalmente, adiciona-se os consumíveis – materiais, medicamentos, etc. – que estão a ser usados durante o ciclo de cuidados do doente.
O que o leitor acabou de ler representa todos os custos diretos do tratamento do doente. Podemos também depois imputar os custos indiretos de alguma maneira. Entre as maneiras possíveis, está fazer uma análise TDABC para os departamentos de Recursos Humanos, Financeiro, de Tecnologias de Informação, etc., e obter formas precisas de imputar estes custos. Habitualmente, quando se está a estudar a condição médica, olha-se apenas para os custos diretos – pessoal, equipamento, espaço e consumíveis.
Quando nunca dantes se teve a oportunidade de compreender suficientemente bem os processos clínicos que se está a utilizar para tratar os doentes, é natural que, da primeira vez que se fizer, o mapeamento dos processos demore algum tempo a fazer. É necessário olhar para todo o ciclo de cuidados, decompor o ciclo de cuidados em etapas principais, depois para cada etapa principal, fazer um exercício de aprofundamento e ver concretamente o que está a ocorrer para o doente naquela parte do ciclo de cuidados. Como referi acima, identifica-se depois os recursos que fazem as diversas partes do ciclo de cuidados, e estima-se o tempo que os recursos gastam nas diversas partes do ciclo de cuidados.
Obtém-se um pouco mais de detalhe do que os mapas que resultam das ferramentas Lean ou dos esforços de melhoria da qualidade uma vez que é necessário saber que recursos estão a participar em cada etapa e quanto tempo os recursos gastam com o doente naquela etapa.
Para obter as estimativas, podemos organizar entrevistas individuais, reuniões de grupo e fazer brainstorming em conjunto, ou ainda administrar questionários junto dos intervenientes. Podemos também validar algumas destas estimativas, subjetivas, fazendo o shadowing do doente, i.e., acompanha-se uma ou duas dúzias de doentes durante o ciclo de cuidados, e descobre-se quem os doentes encontram ao longo do caminho, e quanto tempo passam com os profissionais que encontram. Geralmente, o shadowing valida o que se aprendeu nas entrevistas individuais, nas reuniões de grupo ou nos questionários. Por vezes, encontramos uma etapa que não tinha sido revelada antes. Quando é o caso, a etapa é acrescentada ao mapa de processos.
Atualmente, muitos dados são registados eletronicamente, com data e hora marcadas. Se esses dados existirem, uma forma alternativa de montar os mapas de processos é fazê-lo através da utilização destes dados temporais. Em que data e a que horas o cirurgião entrou no bloco operatório? Quando teve início a anestesia? Quando terminou? No futuro, havendo um tracking eletrónico dos doentes e dos profissionais de saúde, sendo possível saber quem está em contacto com quem, e quando, será possível construir os mapas de processos de forma totalmente automatizada.
Muitas oportunidades de otimização decorrem da implementação do TDABC. Alguns autores referem mesmo que, da primeira vez que se fizer o exercício de compreender verdadeiramente o custo de tratar os doentes ao longo do ciclo de cuidados da condição médica, se não for possível tirar, pelo menos, 20% do custo do tratamento dos doentes, não se esteve suficientemente concentrado a fazer este exercício.
João Marques Gomes
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)