O espírito natalício e a expectativa do novo ano trouxeram ao nosso quotidiano algumas vivências dignas da uma época “normal” das nossas vidas. A ânsia pelo retorno a rotinas adquiridas e não esquecidas associadas à necessidade de incluir tradições independentemente do período sanitário que vivemos, falaram mais alto e os casos e mortes de COVID-19 bateram records históricos em Portugal na última semana[1].
O cansaço resultante da habituação a novos hábitos e rotinas foi um dos fatores que contribuiu para o relaxamento que conduziu a tais records. Por outro lado, o plano de vacinação contra a COVID-19, iniciado em Portugal a 27 de Dezembro, foi interpretado por muitos como um presente de Natal e um desejo de ano novo concretizado ainda em 2020. Apesar de ser um avanço científico histórico e notável, a verdade é que ainda existem muitas questões pendentes que necessitam de tempo para serem estudadas e poderem ser obtidas respostas consistentes.
Além das questões científicas inerentes, haverá algumas questões pertinentes que importam perceber face ao aumento do número de casos, tendo como objetivo prevenir e antecipar situações de rotura na sociedade e em especial no sistema de saúde:
- Quantos indivíduos não estarão já convencidos, mesmo antes de tomar a vacina, que poderão facilitar nas medidas de proteção?
- Quantos indivíduos compreenderam cabalmente que as vacinas não vão trazer imunidade imediata e que tão pouco se conhece a duração da mesma?
- O que têm feito as entidades responsáveis para convencer os cidadãos que tudo isto é um projeto de longo-prazo (6, 9 ou até mesmo 12 meses)? Quanto já foi efetivamente investido no esclarecimento destes detalhes?
- Têm os decisores políticos tomado decisões atempadas e coerentes nos últimos 10 meses?
O esclarecimento da perspetiva de longo-prazo na vacinação e da travagem da pandemia é essencial para um controlo da mesma. É fundamental investir em estratégias de apoio à tomada decisão política assim como no aumento da capacidade de esclarecimento no processo temporal da vacinação.
Relativamente à primeira questão, um estudo divulgado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, apresentado na reunião no Infarmed[2][3] a 12 de Janeiro de 2021, com uma amostra de 528 respostas, menciona a diminuição da utilização de máscaras de proteção nas semanas entre o Natal e o Ano Novo.
Dois pontos de interesse se podem retirar deste tópico: 1) A necessidade de investimento em investigação é necessária, permitindo análises mais robustas e maior auxílio na tomada de decisão política e 2) apesar da amostra não ser representativa, o relaxamento nas medidas de proteção individual é evidente podendo estar associado à presença de uma vacina, a um “conforto” crescente proveniente da habituação a casos cada vez mais elevados e a um cansaço perante confinamentos, restrições de horários e nas deslocações.
Na segunda questão sabemos, até à data, que a vacina prepara uma resposta imunitária, dando a capacidade ao organismo de reconhecer e combater o vírus responsável pela doença COVID-19. No entanto, se por um lado a imunidade natural (proveniente de infeção) varia de pessoa para pessoa e poderá não ser duradoura, por outro lado pouco se sabe relativamente à imunidade de longo-prazo produzida pela vacinação, sendo necessários mais dados.[4][5]
O terceiro ponto surge como continuação do primeiro em que se demonstra claramente a necessidade de investimento em investigação que auxilie o apoio à tomada de decisão e implementação de medidas.
No quarto e último ponto, excluindo os timings de desenvolvimento e comercialização da vacina, todas os aspetos dependeram da análise de investigadores e das opções políticas do País. Sobre isto, só o tempo será o verdadeiro juíz.
Para os mais desatentos, isto não é um filme da Disney… E vamos ver até onde podemos dizer que esta realidade irá ter um final feliz!
Joana Gomes da Costa
Centro de Economia e Finanças da Universidade do Porto
Faculdade de Economia da Universidade do Porto
[1] Direção Geral da Saúde (2021). Ponto de Situação Atual em Portugal. Consultado a 13 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://covid19.min-saude.pt/ponto-de-situacao-atual-em-portugal/
[2] Diário de Notícias (2021). Reunião dos especialistas no Infarmed. Consultado a 13 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.dn.pt/pais/acompanhe-aqui-a-reuniao-no-infarmed-13101141.html
[3] Público (2021). Covid-19: portugueses reduziram uso de máscara nas últimas semanas. Consultado a 12 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.publico.pt/2021/01/12/sociedade/noticia/covid19-portugueses-reduziram-uso-mascara-ultimas-semanas-1945994?fbclid=IwAR0Yu8Hpu9gdjfwHWtN_LhkESW_Zph-KsVIPbDshL1Lsodxpgox4p_Hq_B4
[4] Centers for Disease Control and Prevention (2021). Facts about COVID-19 Vaccines. Consultado a 12 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/facts.html
[5] European Medicines Agency (2021). COVID-19 vaccines: key facts. Consultado a 12 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/human-regulatory/overview/public-health-threats/coronavirus-disease-covid-19/treatments-vaccines/covid-19-vaccines-key-facts