Se há um grande problema de saúde pública que os legisladores Europeus atacaram de forma insistente nas últimas décadas, é o relativo aos acidentes rodoviários (talvez o problema mais atacado, depois do consumo de tabaco). Olhando para a evolução da sinistralidade rodoviária descrita pela figura abaixo, podemos dizer que o ataque ao problema tem sido bem sucedido, tanto em Portugal como no resto da União Europeia. Algumas das medidas que têm contribuído para o aumento da segurança rodoviária são: redução de locais perigosos para a circulação rodoviária, construção de estradas mais seguras, campanhas de consciencialização da opinião pública e aumento de multas e outras medidas capazes de garantir o cumprimento da lei (1).
(Eixo vertical: Número de sinistros por milhão de habitantes; Eixo horizontal: Ano)
Em Portugal, o número de sinistros rodoviários desceu 78% e o número de feridos 33% desde 1990 (1). Atualmente, os sinistros rodoviários representam apenas 0,7% da mortalidade no nosso país (2). À primeira vista, estes sinistros podem parecer uma causa menor de mortalidade. No entanto, se observarmos a Mortalidade Prematura, que é medida pelo número de anos de vida potencialmente perdidos até aos 70 anos, os acidentes rodoviários surgem como a principal causa para a perda de anos de vida (3). Para além disso, a mortalidade rodoviária em Portugal é ainda ligeiramente mais alta do que a média da União Europeia, o que nos pode levar a afirmar que há espaço para melhorias. Neste contexto, e com o objetivo de reduzir ainda mais o número de acidentes rodoviários, a Carta por Pontos entrou em vigor no último dia 1 de junho em Portugal, seguindo o exemplo da maior parte dos restantes países Europeus. Desde essa data, é atribuído a cada condutor um total de 12 pontos, e cada contraordenação resulta na perda de pontos. Quanto mais grave for a contraordenação, maior é a perda. Condutores que cheguem aos 0 pontos ficam proibidos de guiar durante 2 anos (4). Note-se que, antes de junho, Portugal tinha um sistema semelhante, em que a acumulação de contraordenações graves ao longo de um período de 5 anos podia implicar a perda da carta de condução. No entanto, com o novo sistema, que é mais exigente do que o anterior, deixa de haver tempo limite para a acumulação de contraordenações e é significativamente mais fácil os transgressores perderem a carta de condução. As políticas de redução da mortalidade rodoviária podem atuar sobre duas dimensões: i) externa ao comportamento dos condutores (por exemplo: veículos mais seguros ou melhores infraestruturas) ou ii) interna ao comportamento do condutor. O objetivo da Carta por Pontos é atuar sobre a segunda dimensão através da introdução de medidas para esse efeito; e fá-lo de uma forma global, abrangendo todos os tipos de infrações de trânsito. Este sistema foi considerado mais justo do que uma multa pecuniária. O verdadeiro efeito de uma multa pecuniária depende dos rendimentos do transgressor, enquanto que os incentivos criados pelo sistema de penalização de pontos não dependem do estatuto económico do condutor. Parece também claro que o custo de implementação deste sistema é mais baixo do que o de outras medidas externas ao comportamento dos condutores, como a melhoria de estradas (5). No que diz respeito aos resultados do sistema por pontos, Castillo-Manzano & Castro-Nuño (2012) conduziram uma meta-análise com o objetivo de resumir as conclusões que existem sobre a efetividade dos sistemas de pontos utilizados na Europa. No geral, comparando com a situação anterior à introdução destes sistemas, verificaram-se reduções no número de feridos e mortos em acidentes rodoviários de 15 a 20%; e de cerca de 50% em hospitalizações e admissões em serviços de emergência e consultas. No entanto, este efeito não durou, normalmente, mais do que 2 anos, o que levanta algumas dúvidas sobre a efetividade deste tipo de sistemas. De qualquer forma, é muito difícil estimar o verdadeiro efeito do Sistema de Pontos na segurança rodoviária, porque é usualmente acompanhado de medidas complementares introduzidas em simultâneo. Em resumo, a Carta por Pontos é uma medida bem-vinda, que permite à legislação rodoviária portuguesa acompanhar a do resto da Europa. Olhando para os resultados em outros países, este sistema deve contribuir para a redução do número de acidentes rodoviários em Portugal, pelo menos no curto prazo. No entanto, não devemos esperar que o efeito produzido seja muito grande, já que as mudanças introduzidas por este sistema em relação ao seu antecessor não são muito pronunciadas. De qualquer forma, esta medida parece inserir-se numa estratégia global que tem sido desenvolvida nas últimas décadas em Portugal e em outros países Europeus. (1) OECD (2015) Road Safety Annual Report. a prevenção. Acta Médica Portuguesa, 25(2), 61-63. Manuel Serrano, (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores). |