Com a maioria do mundo em isolamento social devido à atual pandemia da COVID-19, o debate relacionado com a imunização tem vindo a ser retomado, enquanto a maioria das pessoas deposita esperança em pelo menos uma das 86 vacinas candidatas [1] que se encontram em fase de desenvolvimento, para regressar à vida normal. Os movimentos anti vacinas também não se fizeram esperar, e muitas já são as críticas a uma vacina que, efetivamente ainda nem existe. Contudo, enquanto que alguns destes movimentos com convicções mais fortes aproveitam a atual pandemia para reforçar as suas ideias, outros poderão começar a questionar as suas opiniões [2].
Os movimentos anti vacinas não são um fenómeno recente, tendo surgido em 1869, 70 anos após a descoberta da vacina contra a Varíola em 1796. Apesar destes movimentos terem perdido força nas primeiras décadas do séc. XX, permitindo uma “época de ouro” da aceitação da vacinação, a controvérsia com a vacina contra a tosse convulsa em 1970, e mais tarde com a vacina VASPR em 1998, provocou o ressurgimento destes movimentos. Consequentemente, as taxas de vacinação começaram a entrar em declínio, comprometendo a imunidade de grupo e permitindo o reaparecimento de novos surtos, como por exemplo do Sarampo [3].
Os motivos por detrás da não aceitação da vacinação são complexos e multidimensionais, estando relacionados com fatores contextuais (e.g. normas sociais, políticas de saúde, comunicação e os media); organizacionais (e.g. acessibilidade e qualidade dos serviços); e individuais (e.g. conhecimento individual, atitudes e crenças, valores religiosos e características socioeconómicas) [4]. Globalmente, estima-se que 7% da população considera que as vacinas não são seguras, valor que chega aos 33,3% em França [5].
Os movimentos anti vacinas nos países desenvolvidos são sobretudo constituídos por indivíduos com um nível elevado de educação e de rendimento, que reivindicam o direito de tomar uma “decisão informada” sobre a vacinação e a dos seus filhos [3, 6]. Assim, acreditam que a vacinação não é necessária se seguirem medidas preventivas (e.g. amamentação e boa alimentação), tiverem acesso a cuidados de saúde de qualidade, e adotarem um comportamento protetor (evitarem creches e algumas interações sociais) [7].
Diferentes movimentos possuem também diferentes graus de convicções anti vacinação, sendo que as suas crenças podem variar entre sentimentos de insegurança e de falta de eficácia, o que pode fazer com que sejam, por exemplo, recetíveis a algumas vacinas e contra outras, cuja confiança possa ter sido abalada com alguma suspeita de algum evento adverso grave, mesmo que essa relação não esteja comprovada cientificamente. Contudo, para estes, a aversão ao risco de ação (ou seja, a receber uma vacina potencialmente “insegura”), é maior do que o risco de uma não ação (ou seja, o risco de contrair uma doença que pensam não existir na comunidade onde vivem) [3, 6].
Este comportamento pode eventualmente mudar se a perceção do risco aumentar. Estudos demonstram que as taxas de vacinação tendem a aumentar após o reaparecimento de um surto, embora não seja claro se esse aumento se deve a uma resposta racional ao aumento do risco de doença, ou a medidas externas como a resposta do Governo e/ou a pressão por parte das instituições de ensino e dos profissionais de saúde [4, 6]. Curiosamente, este efeito é mais
evidente nos grupos mais desfavorecidos, nos quais as baixas taxas da vacinação se devem essencialmente à limitação para se deslocarem para cumprir todo o plano de vacinação por razões financeiras [4, 7]. De qualquer modo, esta alteração do comportamento perante um surto tende a limitar-se apenas ao ano correspondente, e não se reflete nos comportamentos de longo prazo [6].
Os movimentos que possuem fortes convicções anti vacinação e que recusam qualquer vacina, têm tendência a viver em profunda negação perante um surto ou até mesmo perante uma pandemia. Seja pelo recurso a teorias da conspiração, à forte rejeição e desacreditação de qualquer consenso científico, argumentos retóricos ou à criação de novas hipóteses e constante mudança das teorias para atribuir riscos às vacinas, tornam impossível qualquer debate legítimo sobre o tema [3]. Basta uma breve pesquisa na Internet para encontrar vários destes argumentos em relação à COVID-19, bem como em relação à futura vacina. Independentemente do argumento utilizado, espera-se que estes movimentos não prejudiquem seriamente um futuro programa de inoculação [2]. Espera-se sim, que este “reaparecimento” de uma doença viral seja um momento de oportunidade para o apoio às vacinas, e relembrar dos benefícios da vacinação, de modo a que os grupos hesitantes possam questionar e alterar os seus comportamentos.
Klára Dimitrovová
Escola Nacional de Saúde Pública
Universidade Nova de Lisboa
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
Referências
1. The Economist. Can the world find a good covid-19 vaccine quickly enough? 2020; Available from: https://www.economist.com/briefing/2020/04/16/can-the-world-find-a-good-covid-19-vaccine-quickly-enough.
2. The Guardian. Coronavirus causing some anti-vaxxers to waver, experts say. 2020; Available from: https://www.theguardian.com/world/2020/apr/21/anti-vaccination-community-divided-how-respond-to-coronavirus-pandemic.
3. Dubé, E., M. Vivion, and N.E. MacDonald, Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications. Expert Rev Vaccines, 2015. 14(1): p. 99-117.
4. Schaller, J., L. Schulkind, and T. Shapiro, Disease outbreaks, healthcare utilization, and on-time immunization in the first year of life. J Health Econ, 2019. 67: p. 102212.
5. Wellcome Global Monitor. Chapter 5: Attitudes to vaccines. 2018; Available from: https://wellcome.ac.uk/reports/wellcome-global-monitor/2018/chapter-5-attitudes-vaccines.
6. Oster, E., Does disease cause vaccination? Disease outbreaks and vaccination response. Journal of Health Economics, 2018. 57: p. 90-101.
7. Sakai, Y., The Vaccination Kuznets Curve: Do vaccination rates rise and fall with income? J Health Econ, 2018. 57: p. 195-205.