A Experiência das Pessoas com Doença na Tomada de Decisão relacionada com os Medicamentos 191

O movimento que tem surgido para centrar o doente no sistema de saúde é claramente justificável e de alta relevância para qualquer doente, profissional de saúde e elemento da sociedade, já que é unanimemente reconhecido o facto de as pessoas que vivem com doença serem os especialistas da sua própria experiência no que diz respeito à sua condição de saúde e respetivos tratamentos. Como utilizadores finais dos medicamentos e de outras tecnologias de saúde, é compreensível que queiram participar ativamente nos contextos em que se discutem os cuidados de saúde que recebem.

No entanto, materializar esta framework poderá representar um desafio. Uma das estratégias tangíveis para levar a cabo essa materialização poderá ser a integração de Dados da Experiência dos Doentes (Patient Experience Data, PED) na tomada de decisão. No contexto do medicamento, estes dados poderão ser tidos em conta para a avaliação do seu benefício-risco, relação essencial para a introdução no mercado, bem como poderão orientar decisões tidas a jusante ao nível da comparticipação destas tecnologias de saúde.

De acordo com a Agência Europeia de Medicamentos (European Medicines Agency, EMA), que reconhece o valor destes dados na sua visão estratégica, PED são definidos como “dados recolhidos por meio de várias atividades de envolvimento dos doentes e metodologias para capturar as suas experiências em relação ao seu estado de saúde, sintomas, evolução da doença, preferências de tratamento, qualidade de vida e impacto dos cuidados de saúde”1.

Concretamente, estes dados podem corresponder a Resultados Relatados pelos Doentes (Patient-Reported Outcomes, PROs) ou a Preferências dos Doentes (Patient Preferences, PPs). Embora os primeiros aparentem ter um grau de implementação superior, talvez por não apresentarem um perfil de limitações metodológicas tão exigente, não se exclui a importância de averiguar quais as verdadeiras preferências dos doentes, conferindo-lhes o ónus de simularem o estabelecimento da sua própria relação de benefício-risco2. É de salientar ainda que o aumento do envolvimento dos doentes, através das mais variadas estratégias, é indissociável do sucesso da utilização destes dados. Tal envolvimento poderá traduzir-se no desenvolvimento de ferramentas que melhor descrevem as preocupações e experiências dos doentes, no reforço da mensagem veiculada pelos resultados obtidos, bem como na sensibilização da importância da recolha destes dados que poderá ser onerosa para os envolvidos2.

A nível global, existem várias iniciativas a serem implementadas por agências reguladoras, empresas, academia, associações de doentes, profissionais e setoriais que pretendem precisamente promover boas-práticas na utilização e consideração de PED. A nível nacional, o projeto Incluir, dinamizado pelo Infarmed, corresponde a um desses bons exemplos em que a experiência e as preferências das pessoas que vivem com doença são consideradas. Em particular, no âmbito da avaliação das tecnologias da saúde, o Infarmed envolve diretamente as pessoas com doença, através das devidas organizações que as representam, na definição do PICO, após devidas iniciativas de capacitação3.

Apesar de todas as dificuldades que possam surgir, estamos perante uma janela de oportunidade inigualável. A possibilidade de harmonização com a publicação de orientações específicas por parte do International Council on Harmonization (ICH), a implementação da nova legislação farmacêutica europeia, o novo enquadramento europeu da avaliação das tecnologias de saúde e o próprio desenvolvimento tecnológico, correspondem certamente a catalisadores que poderão acelerar a assimilação de PED nas tomadas de decisão2.

O consenso entre os demais parceiros é claro: dados de alta qualidade que reflitam diretamente a experiência das pessoas com doença são valiosos para as decisões em saúde e, particularmente, para aquelas que dizem respeito às tecnologias de saúde. Enquanto farmacêuticos, devemos aproveitar o atual impulso, tirando partido do nosso local de atuação privilegiado, em que seremos chamados a participar na sensibilização dos doentes, na recolha e tratamento destes dados, bem como nas próprias decisões que impactam a vida real de quem encara os medicamentos e as restantes tecnologias de saúde como um veículo de esperança.

 

Diogo Monteiro de Almeida

Vogal da Direção da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)

 

Referências

  1. Willgoss T, Escontrias OA, Scrafton C, Oehrlein E, Livingstone V, Chaplin FC, et al. Co-creation of the global patient experience data navigator: a multi-stakeholder initiative to ensure the patient voice is represented in health decision-making. Res Involv Engagem. (2023) 9:92. doi: 10.1186/s40900-023-00503-9
  2. Almeida D, Umuhire D, Gonzalez-Quevedo R, António A, Burgos JG, Verpillat P, et al. Leveraging patient experience data to guide medicines development, regulation, access decisions and clinical care in the EU. Front Med (Lausanne). 2024 May 23;11.
  3. Infarmed. Incluir – Pessoas com Doença [Internet]. [cited 2024 Nov 1]. Available from: https://www.infarmed.pt/web/infarmed/cidadaos/participar