A revista Nature publicou no final do ano passado o artigo, “Sê humano primeiro e cientista em segundo (Be human first, scientist second)”, onde se discutiam várias questões sobre a importância da humanização no trabalho e na ciência. Apesar de continuar a ser um tema muito atual, este assunto não é novo. Vinte e dois anos antes, já a Harvard Business Review tinha mostrado no seu artigo “O lado humano da gestão” (The Human Side of Management), algumas considerações sobre este tema, defendendo o seu autor que gerir, não significa somente desenvolver tarefas mecânicas e operacionais, mas sim administrar um conjunto de ações humanas.
Alison Antes apresentou neste seu artigo da Nature, várias considerações de como criar um ambiente de trabalho mais saudável, levando o leitor a refletir sobre a importância da humanização de tarefas. Define-se humanização como o valor do respeito pela vida humana incluindo a parte social, ética e educacional e as circunstâncias físicas presentes em cada ser humano e consequentemente nas relações interpessoais.
Esta investigadora afirma, que muitos dos cientistas com os quais trabalha sentem que não têm competências de gestão e de liderança. Muitas das vezes estes colaboradores querem ajudar com ações concretas, nomeadamente coordenar projetos ou agilizar reuniões. Mas explica que para que tudo isto aconteça, é necessário que se consiga trabalhar e estabelecer relações positivas entre pessoas de diferentes áreas e com valências distintas. A investigadora defende ainda que «respeito e confiança entre colaboradores são dos princípios mais importantes», terminando o seu artigo com várias considerações que tentam justificar a importância de agilizar esta humanização, sugerindo ser crucial motivar os colaboradores a partilhar reclamações e ideias; encorajar à cooperação e ao suporte mútuo, sendo o objetivo final mostrar que os líderes se preocupam na realidade com as equipas.
O tema da humanização é transversal a várias áreas e a saúde não é exceção. Na verdade, este é um assunto recorrente, discutido por profissionais desta área, por estudantes de medicina, pelos próprios pacientes e até pela opinião pública em geral.
Os cuidados de saúde e o tratamento do paciente têm vindo a perder determinados aspetos humanos, sendo cada vez maior a distância entre as expectativas dos pacientes e a performance dos médicos.
Com uma tecnologia cada vez mais avançada, restringe-se muitas das vezes a habilidade dos profissionais de saúde a criar uma ligação mais próxima com os doentes. Espera-se que o atendimento ao doente se faça de forma mais rápida, que não se interrompam e não se atrasem os cuidados de continuidade e tratamento, exercendo-se pressão sobre os médicos, para respeitarem os tempos curtos de consulta.
Existem, no entanto, fatores determinantes para que esta humanização dos recursos se mantenha, nomeadamente com a criação de equipas multidisciplinares, proporcionando uma visão ampla para aquilo que é mais subjetivo, não nos limitando a uma avaliação focal.
Humanizar passa também por uma mudança de filosofia e de cultura organizacional que deve ser levada a cabo pelos colaboradores que estejam para ela motivados. Uma mudança cultural requer muitas das vezes uma mudança de mentalidades que será refletida no comportamento e nas suas atividades.
A prática de enfermagem por exemplo, para além do cuidado clínico do doente, exige também competências que estes profissionais de saúde usam para cuidar de outras pessoas, estabelecendo um certo nível de relacionamento humano com elas.
A comunicação é outra das ferramentas que favorece a humanização, isto é, a interação entre as equipas, os pacientes e até as suas famílias, podendo ser desenvolvida com palavras de conforto e ações de segurança durante muitas das atividades que são desenvolvidas pelos profissionais de saúde.
Parece-nos, no entanto, que estes processos não serão na prática assim tão simples na sua aplicação. Por exemplo, a tecnologia evoluiu nos dias de hoje muito rapidamente, trazendo benefícios à área da saúde, mas esta nem sempre consegue transmitir interação e empatia.
Todas as ações e estratégias de humanização na saúde deverão ser trabalhadas não só pelos hospitais, como também pela formação nas faculdades médicas e de enfermagem, dado que é no processo formativo educacional, que os valores e as atitudes de respeito pela vida humana podem criar raízes e permitem uma mudança cultural na saúde.
Um dos maiores desafios em termos de tarefas médicas é por exemplo ensinar empatia. Este processo torna-se complexo porque a empatia consiste em três diferentes componentes. Primeiro um componente cognitivo no qual o médico entra na perspetiva do paciente, em segundo lugar um componente emocional no qual o médico se põe no lugar do paciente e finalmente uma componente de ação em que o médico comunica com o paciente através de um insistente entendimento de confirmação com o mesmo. Apesar de existirem determinados elementos estruturais nas organizações, é preciso por isto em prática e humanizar de forma consistente para que o paciente usufrua o mais possível de um a experiência positiva.
Nesse sentido, e para que haja uma profunda mudança de paradigma será necessário aplicar na prática procedimentos diários que ajudem à humanização das tarefas. Para que isso aconteça, é crucial que gestores e profissionais de saúde estejam alinhados em aplicar uma determinada estratégia. Primeiramente há que mostrar na prática que os profissionais se preocupam verdadeiramente com o doente. Em segundo lugar é necessário serem guiados pela empatia e por uma comunicação mais assertiva, não descurando de explicar tratamentos e procedimentos ao paciente e às suas famílias. Isto ajudará os pacientes a entender o valor das atividades dos profissionais de saúde, a eficácia e os custos dos tratamentos que terão que realizar.
Filipa Breia da Fonseca
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
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Referências
Antes, Alison (2018), First law of leadership: be human first, scientist second, Nature, International Journal of Science, natureresearch, vol. 563, pp. 601.
Teal, Thomas (1996), The Human Side of Management, Nov-Dec Issue, Harvard Business Review, pp.1-3.