Hoje sabe-se que a Gripe Espanhola, apesar do seu nome, não teve início em Espanha. A pandemia adquiriu esta denominação porque, ao contrário do que acontecia noutros países no decorrer da 1ª Guerra Mundial, Espanha comunicava os seus acontecimentos ao nível da imprensa local, o que levou à dedução equívoca de que a doença provocava um maior número de mortes naquele país (1). Este acontecimento histórico alerta-nos para o impacto da comunicação social numa emergência de saúde pública.
Neste momento o mundo atravessa uma luta contra o novo coronavírus, originado em dezembro, quando um grupo de pessoas de Hubei, província do norte da China, desenvolveu uma doença com sintomas semelhantes aos de uma pneumonia. Esta situação foi reportada à Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 31 do mesmo mês, tendo o agente patogénico sido identificado no passado dia 7 de janeiro.
Com o agravar da propagação deste vírus, a 30 de janeiro, o Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou o novo surto como uma emergência de saúde pública de preocupação internacional.
A 11 de fevereiro foi anunciado o nome oficial da doença – COVID-19 – pela OMS e do vírus que a provoca, o SARS-CoV-2. À medida que este vírus se foi alastrando por mais países, existiu um aumento proporcional do pânico instalado e da procura de informação por parte da população, o que levou ao Diretor-Geral da OMS a afirmar, no dia 15 de fevereiro, que: “Não estamos apenas a combater uma epidemia, estamos a combater uma infodemia.”
O crescente interesse, à escala mundial, por este novo vírus pode ser facilmente verificado com recurso a ferramentas online, como o Google Trends, e através da equiparação com outros temas de interesse geral, como por exemplo a rede social “Facebook” (tema regularmente pesquisado e constante ao longo do tempo).
É igualmente possível verificar, novamente com recurso ao Google Trends, que Portugal se encontra em sétimo lugar dos países mais “interessados” pelo tema.
Com a velocidade com que os temas são abordados nos vários países na Era da informação, a desinformação pode ter várias repercussões, tal como o pânico instalado, que poderá, entre outros, levar à escassez dos recursos de primeira necessidade, ao estigma pela doença, aos comportamentos de risco, e à eventual sobrecarga dos serviços de saúde.
Uma equipa de investigadores do Instituto de Neurociências Congnitivas da Faculdade de Educação da Universidade de Huaibei, realizou um questionário online entre os dias 31 de janeiro e 2 de fevereiro, após a declaração de emergência internacional por parte da OMS, com o objetivo de conhecer os níveis de impacto psicológico, ansiedade, depressão e stress na fase inicial do surto. Este estudo obteve 1 210 respostas, provenientes de cidadãos de 194 cidades da China, e determinou que 53,8% dos questionados classificaram o impacto psicológico do surto como moderado ou grave, 16,5% relataram a existência de sintomas depressivos moderados a graves, 28,8% referiram que tiveram sintomas de ansiedade moderada a grave, e 8,1% relataram níveis de stress moderados a severos (2). Os resultados do questionário evidenciaram ainda que as informações de saúde específicas, atualizadas e precisas, assim como de medidas de precaução particulares (por exemplo, higienização das mãos, uso de máscara, etc.) foram associadas a um menor impacto psicológico do surto e a níveis mais baixos de stress, ansiedade e depressão (1). Em resposta à preocupação com o impacto da pandemia na saúde mental, a OMS procedeu à sintetização de uma lista de considerações, publicada no dia 6 de março e que pode ser consultada através do seguinte link.
É importante destacar ainda que o surto do novo coronavírus não foi o primeiro a decorrer na Era digital, e que também a pandemia de H1N1 (gripe suína), a epidemia de Ébola e o surto de Zika foram amplamente debatidos nas redes sociais. Atualmente, as entidades oficiais encontram-se mais preparadas e melhor equipadas para poderem transmitir informação que diminua o impacto da desinformação. Neste momento, a OMS e outras organizações de saúde pública também utilizam as redes sociais para informar e atualizar a população em relação a novos desenvolvimentos sobre o surto e fornecer estratégias para mitigar ou lidar com o impacto negativo do mesmo. A título de exemplo, a OMS desenvolveu uma página que tem como objetivo a abolição de mitos que se difundem através das redes sociais (consultar aqui). Com este mesmo propósito, a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o Polígrafo SIC decidiram aliar-se na luta contra a desinformação, uma vez que, tal como afirmado por Graça Freitas, Diretora-Geral da Saúde, a “publicação e partilha de informação falsa é um dos maiores riscos para a saúde pública, quando se trata de problemas emergentes como o da COVID-19”.
A disseminação de informação é uma constante, e em situações de crises globais de saúde ou de emergência de saúde pública urge a necessidade de garantir a qualidade e veracidade da mesma. Neste sentido, é crucial reforçar a literacia da população na procura de fontes fidedignas e contar com a ajuda essencial dos profissionais de saúde na promoção desta literacia e na provisão de aconselhamentos e esclarecimentos. Numa perspetiva futura, será igualmente importante a utilização de novas tecnologias que apoiem as autoridades de saúde na identificação e remoção destes focos de desinformação, onde áreas como a Inteligência Artifical poderão ser uma mais-valia, apoiadas na utilização de bancos de informação alimentados globalmente.
Diana Costa |Farmacêutica
Health Economics & Management Knowledge Center | Nova School of Business and Economics
- – TRILLA, Antoni; TRILLA, Guillem; DAER, Carolyn. The 1918 “Spanish flu” in Spain. Clinical infectious diseases, 2008, 47.5: 668-673.
- – WANG, Cuiyan, et al. Immediate Psychological Responses and Associated Factors during the Initial Stage of the 2019 Coronavirus Disease (COVID-19) Epidemic among the General Population in China. International Journal of Environmental Research and Public Health, 2020, 17.5: 1729.
* LIMITAÇÕES: Importa referir que a ferramenta utilizada apresenta várias limitações, entre as quais a mais óbvia é que todos os dados de pesquisa disponíveis através do Google Trends são anónimos e refletem aqueles com acesso à internet, excluindo potencialmente grupos vulneráveis (por exemplo, idosos) ou regiões onde a utilização da internet pode ser baixa. É igualmente relevante referir que o Google não é o motor de busca dominante em alguns países como a China, Japão, Coreia do Sul e Rússia, devido a questões políticas ou linguísticas.