Esta crónica foi escrita numa fase que esperamos ficar na história como o início do período pós-pandémico. Nesta fase, ultrapassados que estão os desafios urgentes do último ano, como as medidas sanitárias e a vacinação, as atenções estão voltadas para os próximos desafios. Estes prendem-se com a recuperação das atividades quotidianas e a resolução dos efeitos desta pandemia COVID-19 na saúde física e mental da população.
Não é novidade que uma das consequências mais dramáticas da pandemia, e da crise económica que esta desencadeou, foi o agravamento da saúde mental da população. Mas este não é propriamente um desafio novo. Se não vejamos: em 2014, a frequência de sintomas depressivos foi estimada para 10% da população portuguesa. Para este valor, contribuíram para além da crise financeira de 2011 e das mudanças no mercado laboral, a falta de acesso a cuidados adequados que afetou 70% dos doentes diagnosticados, segundo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental. Portanto, mesmo antes da pandemia, os cuidados de saúde mental, em particular para a depressão, apresentavam sinais de alarme, para os quais as respostas foram sendo insuficientes. O Orçamento de Estado deste ano trouxe novo fôlego a algumas destas respostas, como abordado aqui pela Maria Ana Matias [1]. Uma das medidas visa a integração de serviços de saúde mental e sociais nos cuidados de saúde primários (CSP), solução que tem sido defendida em vários artigos [2]. De facto, a prevenção, reconhecimento e tratamento, de perturbações psiquiátricas acontece frequentemente no gabinete do médico de família.
No caso particular das perturbações depressivas, o tratamento pode ser feito através de psicofármacos, do acompanhamento psicológico (em articulação com as equipas de profissionais especializados, nomeadamente psicólogos, enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiatria), ou uma combinação de ambos. Para as crianças e os adolescentes, por exemplo, as guidelines de prática clínica recomendam que a psicoterapia seja considerada em primeira linha, enquanto os antidepressivos costumam ser reservados para doenças mais graves ou quando a psicoterapia não funciona ou não está disponível [3]. Sabemos que na última década a quantidade de antidepressivos consumidos em Portugal aumentou mais de um terço, e representam 4% dos fármacos adquiridos no país, a percentagem mais elevada da EU. Quanto às abordagens de psicoterapia para as perturbações depressivas existem ainda poucos estudos em Portugal sobre a atividade assistencial das equipas de psicologia nos CSP, que já existem na maioria dos agrupamentos de centros de saúde.
Para compreender melhor de que forma as abordagens de psicoterapia estão a ser utilizadas, em substituição ou em complementaridade com a medicação, uma investigação recente analisou a evolução da oferta de profissionais especialistas em saúde mental nos CSP em Portugal [4]. Apesar da baixa densidade de psicólogos em algumas regiões do país (que vai desde 0 a 0.7 psicólogos por 10 000 inscritos), as autoras estimaram que o aumento de oferta de psicólogos nos CSP estava associado a uma ligeira redução no número de utentes com depressão a quem foi prescrita terapêutica antidepressiva. Estes resultados preliminares parecem apontar para uma possível substituição da medicação, mas a escassez de psicólogos nos CSP pode limitar essa decisão. A distribuição geográfica destes prestadores evidenciou também algumas assimetrias preocupantes, uma vez que em regiões com elevada prevalência diagnosticada existia um reduzido número de profissionais.
Uma parte importante do sucesso da integração destes serviços dependerá da adequação da oferta de profissionais de saúde mental às necessidades locais, a sensibilização dos profissionais dos CSP para as valências de psicologia disponíveis localmente, e a promoção da articulação entre estes serviços. Pois programas estruturados de tratamento para pessoas com depressão são necessários, o mais rápido possível.
Joana Pestana
Doutoranda em Economia da Saúde, Universidade Nova de Lisboa