A discussão sobre o número de utentes sem médico de família é cíclica e tem atravessado vários governos. Porém, ano após ano, constata-se que esse objetivo fica por atingir. Atualmente, um em cada dez utentes inscritos nos centros de saúde não tem médico de família. Apesar do agravamento nos últimos dois anos, a maioria das regiões está melhor do que há uma década (com exceção para o Centro e o Alentejo).
Numa análise recente[1], com a investigadora Joana Pestana (Nova SBE), fizemos a decomposição dos três grandes efeitos que contribuem para a variação do número de utentes sem médico de família entre 2015 e 2021. Ao longo deste período verificou-se um aumento do número de utentes sem médico de família (de 751 mil para 1 milhão e 139 mil utentes). Esta variação é explicada por três efeitos.
Em primeiro lugar, existiu um aumento no número de inscritos nos cuidados de saúde primários – na ordem dos 242 mil novos utentes. Este aumento coloca pressão acrescida sobre as necessidades de médicos de família. Em segundo lugar, verificou-se a entrada (líquida de aposentações e outras saídas) de mais de 300 novos médicos de família –suficiente para atribuir médico de família a mais de meio milhão de utentes. Em terceiro lugar, e de forma inesperada, verificou-se uma progressiva redução do número de utentes por médico.
A estimativa realizada demonstra que a contratação de novos médicos foi um importante contributo para a redução do número de utentes sem médico de família. Porém, o aumento do número de inscritos e a redução do número de utentes por médico, anularam o efeito da contratação de médicos – levando ao aumento do número de utentes sem médico de família. Os resultados sugerem que a contratação de novos médicos, por si só, não é condição suficiente para resolver o problema.
Há diversas medidas que podem ser equacionadas para resolver o problema. Por um lado, é necessário acelerar as novas contratações. Por outro lado, é necessário trabalhar em políticas ativas para promoção da atratividade da especialidade e retenção dos profissionais. A colaboração com o setor social e privado pode também ser equacionada (revendo por exemplo a ideia, nunca implementada, das USF-C). Finalmente, poderá ser altura de rever as competências dos profissionais nos cuidados de saúde primários, aumentando o papel da Equipa de Saúde Familiar e, em particular, do Enfermeiro de Família. Esta partilha de competências – já experiementada noutros países – pode trazer bons resultados para o seguimento de alguns pacientes e monitorização de doença crónica.
O envelhecimento da população, a escassez de profissionais de saúde na Europa, e a baixa atratividade da especialidade de medicina geral e familiar, colocam maior pressão sobre os cuidados de saúde primários. Torna-se por isso necessário testar novas abordagens de prestação de cuidados de saúde mais ágeis e flexíveis.
Eduardo Costa
Nova School of Business and Economics
Professor Auxiliar Convidado e Investigador
[1] https://www.publico.pt/2022/02/07/sociedade/noticia/medico-familia-hoje-menos-utentes-media-2015-1994370