Os administradores hospitalares querem que os medicamentos inovadores passem a ser financiados por um fundo próprio, com dinheiro público, mas fora dos orçamentos dos hospitais, para aliviar os gastos com fármacos, que subiram mais de 12% no ano passado.
Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, lembrou que os hospitais são pagos com preços médios e que esses valores não refletem os medicamentos novos e os aumentos que vão acontecendo.
Diz que a situação atual penaliza muito os hospitais que são mais diferenciados e que recorrem mais aos medicamentos inovadores e insiste na proposta de um fundo para financiar esta inovação, fora do orçamento do hospital.
“Defendemos que, para estes medicamentos inovadores, geralmente com custos muito elevados, deve existir um fundo de inovação terapêutica que fosse dotado de uma verba específica, diretamente proveniente do orçamento da saúde e não dependente dos orçamentos dos hospitais”, afirmou.
Xavier Barreto lembra também que esta subida nos gastos com medicamentos, que em 2022 chegaram aos 1.762,1 milhões de euros (+12,1%), também se deveu ao aumento da atividade assistencial: “O SNS está a trabalhar em níveis recorde, em todas as linhas de atividade (…) e, se temos mais atividade, temos mais consumos”.
Para tentar desacelerar o crescimento desta despesa, o responsável sugere igualmente mais “acordos de partilha de riscos” com os fornecedores.
“Quando é lançado um fármaco inovador com uma expectativa de resultados, a boa prática diz-nos que deveríamos fazer um contrato onde o preço pudesse ser revisto em função do cumprimento desses resultados”, afirma.
A título de exemplo, refere: ”se lançamos um fármaco inovador para o cancro que prevê uma taxa de remissão de 50% e se, no final de um determinado período, concluímos que afinal a taxa de remissão não é de 50%, mas é de 30% ou de 40%, é normal que esse preço fosse revisto em função desses resultados”.
Além disso, sublinha, “faria sentido que estes medicamentos inovadores fossem negociados de forma centralizada”, lembrando que o Infarmed ”tem controlo sobre estes processos” e pode saber quais são fármacos que vão entrar em 2024 e a que custo.
“O que faria sentido é que nós negociássemos desde já com esses fornecedores acordos de partilha de risco que fossem justos para o SNS e para o fornecedor, mas que associassem o preço aos resultados”, diz o presidente da APAH, lamentando: “Infelizmente, fazemos isto muito pouco”.
Questionado sobre se seria possível, neste momento, medir esses resultados, responde: “Nuns casos sim, noutros não, teríamos de desenvolver o sistema, ou trabalha-lo melhor”.
Xavier Barreto diz que seria preciso criar este sistema para medir o impacto real dos fármacos na vida dos doentes, para que, com todos os dados na mão, se pudesse avaliar melhor o preço que se está a pagar pela inovação.
Questionado pela Lusa sobre as estratégias usadas para travar este aumento na despesa com medicamentos, o Infarmed diz que já contratualiza com a indústria farmacêutica “acordos que permitem garantir um controlo mais apertado da despesa do SNS”.
“Existem contratos de financiamento que limitam à partida o encargo do SNS com aquele medicamento. Existe ainda o acordo entre o Estado Português e a APIFARMA cuja premissa é a sustentabilidade da despesa com medicamentos”, explica o regulador, apontando também “medidas de controlo de despesa” como a promoção do mercado de medicamentos genéricos e biossimilares.
O presidente da APAH considera igualmente importante que os hospitais acompanhem melhor a sua despesa com medicamentos: “Há cerca de 10 anos, durante a implementação do memorando da troika, criou-se uma figura nos hospitais que é o responsável pela monitorização da prescrição”.
Este médico – explicou – recolhe no seu hospital a informação sobre os fármacos que estão a ser prescritos, em que quantidade, associando o custo a essa quantidade e comparando dentro do próprio serviço, para perceber se há diferenças entre clínicos que tratam as mesmas patologias.
“Muitas vezes há diferenças entre hospitais, porque alguns utilizam muito mais biossimilares do que outros – são fármacos semelhantes aos biológicos, mas com um preço geralmente mais baixo”, afirma.
Sobre a liberdade da prescrição, garante: “O médico é sempre livre de prescrever o fármaco que julgar mais adequado para os seus doentes”.
“Mas quando existem diferenças para os mesmos serviços, para os mesmos doentes, para as mesmas patologias, acho que isso é matéria para a direção clínica de cada hospital poder discutir com os seus clínicos”, considera.
O responsável reconhece que os hospitais “podem investir mais na monitorização da prescrição e consumo de medicamentos” e diz que, a este nível, há uma “grande assimetria”.
Sublinha ainda a importância de atualizar os formulários dos hospitais sempre que surge um novo fármaco e o anterior passa a ser obsoleto, para que esse medicamento deixe de ser comprado pelo SNS: “Temos fármacos que continuam a ser prescritos, mesmo não existindo grande evidência científica sobre a sua utilidade”.