Ajuda Externa: Troika prejudicou autonomia hospitalar – Marta Temido
05-Maio-2014
A troika teve «um impacto muito negativo» na autonomia hospitalar, mas também teve um papel positivo, designadamente em relação à transparência da gestão, sustenta a presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Marta Temido.
Os três anos de presença da troika em Portugal refletiram-se «no ambiente hospitalar como no país em geral», isto é, foram «extraordinariamente difíceis» e sob o ponto de vista dos hospitais, da gestão hospitalar, provocaram «uma enorme perda da autonomia das administrações», afirmou a presidente da APAH, em entrevista à agência “Lusa”.
Os hospitais portugueses vinham, «ao longo dos últimos anos, a fazer um percurso no sentido de uma progressiva empresarialização, de uma progressiva autonomia em termos de utilização de regras», mas, com a troika, «todo o caminho que se vinha fazendo desde 2002», registou «um tremendo recuo nessa matéria», salientou.
«Em termos de gestão hospitalar, no plano técnico, estes foram os maiores impactos», mas sob o ponto de vista assistencial, do «impacto na saúde em si», ainda não passou o tempo suficiente para se «compreender qual o efetivo impacto», referiu.
Mas a situação dos hospitais, adiantou: «ficou pior – não me parece que possamos, em termos de avaliação final, concluir de modo diferente».
«A troika pôs o dedo na ferida» em relação à acumulação da dívida dos hospitais, que «é um problema crónico» e que «é necessário inverter», como refere o memorando de assistência económica e financeira, que, por outro lado, aponta a necessidade de instituir mecanismos de transparência.
De acordo com Marta Temido fizeram-se as duas coisas – o Ministério da Saúde negociou orçamentos corretivos, que permitiram pagar dívidas em atraso e foi cumprida a lei dos compromissos –, mas «o problema é mais estrutural do que se poderia pensar» e a acumulação da dívida manteve-se apesar dos esforços.
A acumulação da dívida persiste «por uma razão básica, que é a suborçamentação da saúde e dos hospitais», advertiu Marta Temido.
Esta cultura «está instalada e quem assume o ónus desta dívida por pagar é a indústria e portanto os hospitais são subfinanciados» – todos os atores reconhecem isso e, «provavelmente lamentam» que assim seja.
A situação «não é saudável. Poder-se-ia dizer que não é sustentável, mas, sobretudo não é saudável e representa riscos para os hospitais públicos no médio/longo prazo» e mesmo a curto prazo, alertou a presidente da APAH.
Nestes três anos, «todos os atores» do universo hospitalar compreenderam que «têm de ser mais racionais», mas para tirar «resultados consistentes, duradouros» dessa aprendizagem é preciso tempo.
Marta Temido acredita, no entanto, que os trabalhadores do SNS têm uma profunda consciência em relação ao serviço que estão a prestar e à sua importância para as populações e «portanto terão cada vez mais essa preocupação, esse esforço».
O ministério considera que o setor ficou melhor, a troika diz o contrário.
«Apesar de termos conseguido sair de situações muito complicadas [houve ameaças de cortes de fornecimento de medicamentos, por exemplo] (…) a doença está instalada, está declarada e sabemos o que podemos fazer para a combater», mas «isso exige um consenso social em relação à forma de trabalhar dos hospitais», sustentou a administradora hospitalar.
«Não podemos confundir serviços de proximidade, acesso aos cuidados de saúde, com ter tudo em todo o lado», apelou, adiantando: «Há que ter esta discussão com todos os parceiros, de forma tranquila, mas sem ter medo de irritar as corporações», defendeu.
«Temos de deixar de considerar o modelo de prestação de cuidados de saúde como algo que reside no hospital» ou que pode ser «desintegrado do território», como é necessário também, por exemplo, «resolver o problema dos recursos humanos», que continuam a emigrar (e já não apenas por falta de emprego) e em relação aos quais «não fizemos nada para os motivar, pelo contrário».