Alzheimer: Farmacêutica Maria José Diógenes em entrevista sobre abordagem promissora 83

 

Maria José Diógenes, professora associada, farmacêutica e investigadora do Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, lidera uma equipa internacional de investigadores que está a realizar um estudo sobre a doença de Alzheimer (DA), uma nova abordagem promissora com eficácia e ausência de toxicidade.

 

Em entrevista ao NETFARMA, Maria José Diógenes explica o principal objetivo da investigação: “desenvolver uma estratégia terapêutica que prevenisse essa clivagem do recetor e restabelecesse as funções importantes do BDNF {fator neurotrófico derivado do cérebro] no cérebro”.

 

– Qual é o principal objetivo desta investigação?

– O principal objetivo da nossa investigação foi aprofundar o entendimento dos mecanismos subjacentes à doença de Alzheimer, com o intuito de identificar novas estratégias terapêuticas. Em particular, concentrámo-nos na preservação da função de uma molécula essencial para o cérebro, o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), que é crucial para o funcionamento dos neurónios, bem como para os processos de memória e aprendizagem. O BDNF só pode exercer o seu papel ao ligar-se a um recetor específico, o TrkB-FL, que descobrimos estar cortado e, por isso, disfuncional na doença de Alzheimer.

 

– Quais as principais conclusões a que chegaram?

– A nossa investigação revelou várias descobertas importantes. Demonstrámos que o corte do recetor dá origem a um fragmento com um papel ativo no agravamento da doença. Ou seja, além de o BDNF perder a sua função devido à disfunção do recetor, por estar cortado, um dos fragmentos gerados contribui diretamente para a progressão da doença. Desenvolvemos, então, um composto que impede a destruição desse recetor, preservando a função crucial do BDNF na memória e aprendizagem, e que também previne a formação do fragmento tóxico. Os testes realizados em modelos animais de doença de Alzheimer mostraram que este composto é eficaz na prevenção de alterações de memória, sem causar efeitos secundários significativos.

 

– Em que consiste o composto que preserva o recetor TrkB da degradação causada pela presença do péptido β-amilóide e por que razão é inovador?

– Este composto é inovador por apresentar um mecanismo de ação completamente distinto de qualquer outro medicamento ou composto estudado para o tratamento da doença de Alzheimer até agora. Foi desenvolvido inteiramente pela nossa equipa, sendo uma criação inédita. O composto atua impedindo a clivagem do recetor TrkB-FL, que é fundamental para a função do BDNF, uma molécula chave para a memória e aprendizagem. O BDNF precisa ligar-se ao TrkB-FL para funcionar adequadamente, e a nossa investigação mostrou que, na doença de Alzheimer, este recetor está cortado, comprometendo a comunicação neuronal. Este novo composto inibe a clivagem do recetor do BDNF, impedindo tanto a disfunção neuronal como a formação de fragmentos tóxicos que agravam a doença, o que representa uma abordagem terapêutica inovadora.

 

– De que modo as descobertas feitas podem vir a impactar o diagnóstico e o tratamento da Alzheimer?

– As nossas descobertas abrem portas para o desenvolvimento de um novo tratamento com um mecanismo de ação inovador. Este composto demonstrou prevenir alterações de memória em modelos animais de Alzheimer e, no futuro, poderá evoluir para um tratamento eficaz para a doença em humanos. Ao contrário dos medicamentos atuais, que se limitam a atenuar os sintomas, este novo composto tem potencial para atacar uma das causas subjacentes da doença, preservando as funções cognitivas e desacelerando o seu progresso.

 

– Especificamente falando, tendo em conta as descobertas do estudo, que novas abordagens terapêuticas poderemos vir a ter no futuro?

Sabemos que no cérebro dos doentes se vão acumulando, ao longo de muitos anos, péptidos que têm um efeito tóxico. Os últimos avanços no tratamento da doença de Alzheimer foram medicamentos para promover a remoção de um dos tipos de péptidos que se acumula no cérebro, o beta amiloide. Estes medicamentos apesar de reduzirem alguns sintomas mostraram ter efeitos secundários potencialmente graves o que tem preocupado as agências do medicamento no que concerne à sua autorização para introdução no mercado.

A nossa visão é que a acumulação de beta-amilóide no cérebro, que ocorre ao longo de décadas antes do diagnóstico, desencadeia alterações cerebrais que ampliam os danos causados por esta proteína. Por isso, estamos convictos de que a sua simples remoção não será suficiente para resolver o problema. É essencial intervir em outros processos envolvidos na progressão da doença, como a perda da função do BDNF, que também contribui para o declínio da memória e outras alterações características da doença de Alzheimer, algo que abordámos no nosso laboratório.

 

– O estudo ainda está a ser feito em animais, há alguma previsão para as descobertas começarem a ser testadas em humanos?

Para que qualquer composto seja testado em seres humanos é necessário existir um conjunto de dados pré-clínicos (sem ser em seres humanos) robusto que inclua dados de eficácia e segurança muito detalhados. Neste momento estamos a trabalhar no sentido de conseguirmos fazer todas as experiências necessárias para, no futuro, ser possível testar o nosso composto em seres humanos.

 

– De que modo o facto de ser farmacêutica ‘ajudou’ ou ‘fez a diferença’ no âmbito desta investigação?

O meu background como farmacêutica foi crucial neste projeto, pois permitiu-me aplicar um conhecimento profundo sobre os mecanismos de ação dos medicamentos e os seus potenciais efeitos adversos. Este entendimento ajudou-me, em colaboração com a equipa multidisciplinar, a pensar numa abordagem inovadora para o tratamento da doença de Alzheimer. No entanto, é importante sublinhar que os avanços só foram possíveis graças ao esforço conjunto de uma equipa diversificada, composta por médicos, farmacêuticos, engenheiros, biólogos, bioquímicos e técnicos, tanto nacionais como internacionais.