No início do mês, a Ordem dos Farmacêuticos promoveu uma conferência direcionada ao paradigma da intervenção farmacêutica nas Análises Clínicas. Outrora a segunda área profissional de maior relevo do setor, encontra-se atualmente com cerca de 500 farmacêuticos analistas clínicos em funções, num universo de 16 000 profissionais. Mais preocupante ainda é verificar que existem cerca de 700 especialistas em Análises Clínicas: assumindo, desde já, que nem todos os profissionais em funções são efetivamente especializados pela Ordem dos Farmacêuticos, torna-se claro que muitos dos especialistas já não estão a exercer a profissão e que não está a ocorrer renovação dos quadros. Aliás, o dado mais crítico aponta para uma média de 60 anos de idade dos farmacêuticos inseridos no setor das Análises Clínicas, evidenciando o distanciamento da juventude farmacêutica a esta área profissional. Torna-se, portanto, estratégico refletir sobre o potencial que o Farmacêutico reserva para as Análises Clínicas.
Uma causa perdida, ou uma oportunidade a reconquistar?
O desenvolvimento tecnológico e a natural evolução do setor resultou na inclusão de uma multitude de diferentes profissionais que, por si só, ameaçam competir com aquela que era a hegemonia da intervenção farmacêutica neste âmbito. Consequentemente, é necessário reiterar a valorização daquelas que são as competências técnico-científicas do Farmacêutico, apostando no desenvolvimento profissional contínuo e, desde logo, numa formação pré-graduada adequada e de qualidade que possa corresponder às necessidades e expectativas da população. Aliás, arriscaria a dizer que, muito provavelmente, o decréscimo de profissionais nas Análises Clínicas e a prevalência de faixas etárias acima dos 50 anos estarão de alguma forma relacionados com a retirada do ramo Análises Químico-Biológicas da então Licenciatura em Ciências Farmacêuticas, face à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.
Os estudantes são uma potencial chave para o futuro da intervenção farmacêutica nas Análises Clínicas. Enquanto não for desmistificado o importante papel que podem efetivamente concretizar neste setor, continuarão a privilegiar outras saídas profissionais passíveis de serem contactadas ainda durante o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, como a Farmácia Comunitária ou Hospitalar, ou mesmo a Indústria Farmacêutica, em detrimento das demais. Face a este desafio, importa que as Instituições de Ensino Superior desenvolvam estratégias de aproximação dos estudantes às diversas saídas profissionais do farmacêutico, o que não tem de necessariamente implicar a realização de estágios, mas sim uma transformação da abordagem pedagógica e curricular.
A APEF e as Associações e Núcleos de Estudantes continuarão a apostar na capacitação dos estudantes de Farmácia e na sua sensibilização para o impacto social que virão a construir no futuro. Neste âmbito, o Programa APEF em Estágio tem dinamizado centenas de estágios extracurriculares todos os anos, com um grande ênfase nas Análises Clínicas, sendo esta uma das áreas mais procuradas pelos estudantes, o que demonstra que existe o interesse para rejuvenescer a intervenção profissional nesta área.
Dito isto, é de se reconhecer o valor do Farmacêutico nas Análises Clínicas, ainda mais face a um período crítico para a Saúde Pública onde este setor se revelou basilar para as estratégias de prevenção, diagnóstico e contenção da pandemia, pelo que é crucial que não se perca este importante espaço de intervenção. Só assim, ao nível da formação pré e pós-graduada, serão dados os primeiros passos no sentido de revitalizar as Análises Clínicas, aproximando-as da Juventude e dando continuidade ao importante valor geracional que tem sido produzido pelos Farmacêuticos, em prol dos Portugueses.
Bruno Alves, presidente da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia