António Arnaut: Setor privado é a maior ameaça ao SNS e tem de ser domesticado 14 de Setembro de 2016 O autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde considera que o setor privado é a «maior ameaça» ao SNS, «se não for domesticado», e defendeu que este seja «posto na ordem». António Arnaut, em entrevista à agência “Lusa”, a propósito da homenagem que vai receber em Coimbra, na próxima quinta-feira, Dia do SNS, foi perentório ao afirmar que «o setor privado tem de ser regulamentado e posto na ordem». «A Constituição diz que o setor privado tem lugar e tem, eu entendo que sim, mas como complementar do SNS», afirmou. Para o advogado e autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde, «o setor privado não pode viver à custa do SNS», apesar de isso acontecer. E quando António Arnaut fala do SNS, também se refere aos subsistemas de saúde, como o dos funcionários públicos (ADSE). «Metade ou mais de metade das receitas do privado são de subsistemas de saúde, designadamente a ADSE, e de convenções com o próprio SNS. Por isso interessa-lhes debilitar, descaracterizar o SNS para aumentar a procura» dos seus utentes. Para o socialista, o setor privado «tem lugar e é importante para quem o procura voluntariamente ou mesmo para o SNS, quando este não pode proporcionar em devido tempo os cuidados necessários, fazendo então contratos e convenções com o setor privado». Arnaut refere que, «quanto mais débil for o SNS, mais forte é o setor privado. Há essa guerra subterrânea – que vem de há muito – mas que atingiu no último governo uma dimensão perigosa». «É preciso pôr cobro a isto», disse, lembrando que a debilitação do SNS se manifesta com a inexistência de médico de família para um milhão de portugueses, na ausência da reforma da carta hospitalar, na degradação dos serviços públicos e no desinvestimento nas carreiras profissionais. O “pai” do SNS recorda que este é hoje indispensável para mais de seis milhões de portugueses que, por não terem rendimento suficiente, estão isentos de pagar taxas moderadoras e, pela mesma razão, não podem pagar nenhum seguro. Mas também para os que, tendo seguro ou subsistemas, precisam do SNS para os casos mais complicados. Claro que um setor que move tantos «milhares de milhões» suscita interesses, disse. «Tantos milhares de milhões suscitam a apetência de grupos financeiros e é por isso que houve tentativas de o descaracterizar e debilitar, de tal maneira se ele fosse restringido haveria a correspondente expansão do setor privado», afirmou, concluindo que «esse movimento ainda existe». Contudo, António Arnaut considera que «o SNS atravessou muitas dificuldades, mas venceu-as todas». A maior de todas, recordou, foi um decreto do Governo de Pinto Balsemão (254/82), que revogava os principais artigos da lei do SNS. «Esse decreto só não vingou porque o Tribunal Constitucional o declarou inconstitucional, com este fundamento interessante: pode mudar-se a lei, mas não se pode destruir o SNS porque é um valor fundamental». Mas os obstáculos não se ficaram por aqui: «Houve ao longo dos tempos, e mesmo por parte de alguns governos socialistas, uma tentativa de descaracterização. A marcha foi muito acidentada», disse. Sobre a forma como é conhecido – “pai do SNS” – o antigo ministro dos Assuntos Sociais, Saúde, e Segurança Social, reconhece o afeto da expressão, mas ressalva que «o que tem valido ao SNS não é o pai, mas sim a mãe (a Constituição da República)», porque sem ela não existia o serviço. |