A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF) fez chegar ao NETFARMA uma nota de imprensa onde expressa a sua opinião sobre a escassez de medicamentos nos Serviços de Farmácia Comunitária. A posição da Associação pode ler-se abaixo:
«A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF), enquanto estrutura representante dos estudantes de Ciências Farmacêuticas a nível nacional, vem por este meio apresentar a sua tomada de posição no que respeita às recentes notícias acerca da falta de medicamentos nas Farmácias portuguesas, pontos essenciais de promoção da saúde e, muitas vezes, agentes concretos enquanto primeira rede de cuidados de saúde primários.
Os estudantes de farmácia são confrontados desde cedo com a necessidade de colocar o utente no centro dos cuidados farmacêuticos e, é de fácil perceção que, se o ciclo do medicamento desvirtuar de alguma forma essa premissa, o sistema em si pode colapsar e corremos o risco de menosprezar a atenção das reais necessidades da sociedade civil e começar a colocar um ónus numa problemática paralela de interesses.
Durante a presente semana, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED, I.P.), através da sua Presidente, Dra. Maria do Céu Machado, referiu que esta situação poderá ter como causa «os jogos de interesses» entre os vários agentes de distribuição e de produção dos medicamentos. No entendimento da APEF, o INFARMED, I.P., como entidade responsável pela regulação do medicamento, deverá estar preocupado em entender as preocupações das vinte e quatro farmácias que entregaram legitimamente um abaixo-assinado intitulado “Pelo acesso aos medicamentos, pela garantia da saúde dos portugueses”. Estas requisitam ao INFARMED, I.P., que “reforce e adote todas as medidas que ponham termo à situação atual de degradação do sistema de distribuição e à generalizada escassez de medicamentos que se observa nas farmácias”.
De acordo com o relatório anual do Observatório dos Medicamentos em Falta do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR) da Associação Nacional das Farmácias (ANF), no ano de 2018 não foram dispensadas 64,1 milhões de embalagens de medicamentos (no momento da compra) nas Farmácias portuguesas, o que corresponde a um aumento de 15,8 milhões relativamente ao ano anterior. Cerca de dois terços das Farmácias portuguesas reportaram dificuldades para dispensar de imediato os medicamentos, pelo menos uma vez.
Tendo em conta que os dados apresentados revelam um aumento progressivo na dificuldade ao acesso dos medicamentos pelos utentes, colocando em causa os cuidados de saúde e qualidade de vida dos portugueses, a APEF considera que esta informação deve ser tida em conta de um modo criterioso e sério. Menosprezar estes dados significa desvalorizar o problema que as Farmácias portuguesas relatam todos os dias e, em última análise, condiciona as terapêuticas de inúmeros utentes por todo o território nacional. Na opinião da APEF mais do que duvidar de estudos realizados por entidades competentes cabe às entidades reguladoras a prossecução de um estudo atento e preocupado acerca desta temática.
De acordo com uma notícia emitida pelo Observador, quer o abastecimento dos laboratórios às farmácias seja «irregular» porque «os preços praticados em Portugal são dos mais baixos da Europa», e porque há uma «falta de liquidez das farmácias para fazer stock/armazenamento», quer seja pelos referidos problemas de interesses, é certo que urge uma ampla investigação pelos órgãos competentes.
Nos últimos três anos, de 2016 a 2018, as comunicações de dificuldades no acesso aos medicamentos por parte de doentes ao INFARMED, I.P., estabeleceram-se entre 435 e 489. Seria extremamente relevante divulgar e remeter ao Governo o número de comunicações das Farmácias para com o INFARMED, I.P., a relatar problemas de produtos esgotados.
Embora tenha sido reafirmado pelo INFARMED, I.P., numa entrevista à RTP, que “a maioria dos medicamentos têm alternativa seja ela de marca ou genérico”, tal afirmação parece-nos uma solução manifestamente redutora uma vez que consideramos que na situação extrema das vinte e quatro farmácias que mostraram a sua preocupação, em representação da larga maioria das farmácias do país, os farmacêuticos como profissionais de saúde já terão ultrapassado todas as alternativas a fim de proporcionar o melhor aconselhamento ao utente. Por outro lado, cada utente tem direito a escolher o medicamento preferencial que pretende tomar, dificultando muitas vezes o próprio acesso à terapêutica e potenciando desafios no que toca à adesão à terapêutica, apresentando-se esta última com números pouco satisfatórios, podendo ser exacerbada pela inexistência de alternativa similar no mercado, por exemplo, através de medicamentos genéricos. Pelos sucessivos desafios que esta situação acarreta, os principais lesados são os cidadãos e a sua saúde.
Esta situação é ainda agravada pelo facto de parte destes medicamentos em falta serem considerados essenciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela desigualdade verificada a nível nacional, uma vez que as farmácias do interior são as mais afetadas, com maior incidência nos Distritos de Vila Real, Bragança, Braga e Castelo Branco, de acordo com o relatório anual do CEFAR da ANF.
Os atuais medicamentos com maior índice de défice tratam-se de medicamentos para a Doença de Parkinson, Diabetes Tipo 2, Tromboses e Enfartes, Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) e Hipertensão, patologias comuns, realçando-se a preocupação realista para esta matéria, dados patentes no estudo do CEFAR.
O farmacêutico, em última análise, deve estar preocupado com a qualidade dos medicamentos, a qualidade do aconselhamento farmacêutico e com a boa articulação do circuito do medicamento. O condicionamento de qualquer um destes fatores deve ser minimizado ao máximo porque se não representa a profissão, não representa também a sociedade em que nos inserimos, promovendo consequências nefastas para a profissão e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) na sua globalidade, degradando-o.
Os estudantes vêem no futuro, enquanto profissionais de saúde, uma impotência desmedida em prestar o melhor serviço possível aos portugueses e um SNS em risco, além dos utentes cuja assistência, acompanhamento e terapêutica continua, em demasiados palcos, a não ser centralizada nos mesmos.
Tendo em conta os pontos supracitados, a APEF vem, deste modo, expressar a sua profunda preocupação pelos portugueses não terem acesso à medicação de que necessitam, tendo de recorrer a inúmeras Farmácias na tentativa de terem a sua terapêutica restituída ou tendo de, abruptamente, cessar a terapêutica de que necessitam por falhas colossais de medicamentos nas Farmácias, todos os dias.
Urge, mais do que nunca, uma tomada de posição séria, sólida e integrada entre o Governo, o INFARMED, I.P. e demais entidades do circuito do medicamento, a fim de pôr termo à situação de alarme social e à penalização que os portugueses sofrem pelo não acesso aos seus medicamentos, e em última instância, pela agravante de patologias ou demais situações de saúde.»