Nos últimos anos, o preço de muitos medicamentos tem vido aumentar ameaçando a sustentabilidade dos Sistemas de Saúde. O caso do Sovaldi, para o tratamento da Hepatite C, é paradigmático, mas não é caso único. O preço dos medicamentos oncológicos tem vindo a aumentar em média 10% ao ano entre 1995 e 2013 [1], mesmo quando os seus benefícios terapêuticos são, muitas vezes, escassos [2]. Perante esta situação, as empresas farmacêuticas conta-nos que estes preços explicam-se pelos altos custos de investigação e desenvolvimento (I&D). Mas será que é bem assim? Façamos as contas.
Di Massi, Grabowski e Hansen são dos académicos mais citados na literatura sobre os custos de investigação dos medicamentos. Numa publicação de 2016, estes autores estimaram que o custo médio de desenvolvimento de um medicamento ascende a 2.6 milhões de dólares, muito acima das suas estimativas efetuadas na década anterior (um milhão de dólares) [3]. Contudo, estes estudos têm sido criticados por serem parcialmente financiados pela indústria farmacêutica, não incluírem medicamentos inicialmente financiados pelo setor público e por outras questões metodológicas [4,5]. Noutro estudo de 2017, a estimativa do custo médio de desenvolvimento dum medicamento oncológico foi de 648 milhões de dólares, face a uma receita média de 1658 milhões de dólares só nos primeiros 4 anos após a sua aprovação [6]. Uma limitação comum nestes estudos é a falta de transparência nos dados sobre os gastos de I&D, autodeclarados pelas farmacêuticas. Ainda assim, vemos que qualquer que seja a estimativa mais precisa, o argumento de que os preços altos justificam-se só pelos custos de investigação parece incompleto. Acrescenta-se ainda o facto das grandes farmacêuticas poderem chegar a gastar mais com compensações aos seus acionistas do que com I&D [7].
Há uns meses, o diretor de uma pequena farmacêutica de Missouri apareceu nas páginas dos jornais norte-americanos após lhe terem perguntado a razão do aumento do preço de um antibiótico em 400%. Este respondeu: “Acho que é um requisito moral fazer dinheiro quando podemos…vender o produto ao preço mais alto” [8]. Embora estas declarações possam parecer mais ou menos moralmente censuráveis no contexto da saúde, o certo é que refletem muito bem como é que se fixam os preços dos medicamentos. As farmacêuticas, como qualquer empresa, têm por objetivo maximizar os seus lucros. Para tal, tentam aumentar o preço até à quantidade máxima que o consumidor está disposto a pagar, independentemente dos custos de I&D do medicamento. Note-se que tal mecanismo pode ser benéfico para o cidadão num sistema com concorrência: no caso do preço e da margem de lucro serem muito altos, pode sempre aparecer outro concorrente que faça descer o preço. Obviamente, não é isto que acontece no setor farmacêutico, com a presença de patentes, necessárias para garantir o retorno das altas inversões no processo de invenção de medicamentos. Se a esta natureza monopolística do setor, adicionarmos o facto de que nós, enquanto sociedade, valorizamos altamente a saúde enquanto bem essencial, parece óbvio que, e tal como ocorre, os preços resultantes serão muito altos.
Nesse sentido, durante os últimos anos diferentes governos têm vindo a aplicar a análise de custo-efetividade como ferramenta para controlar os preços dos medicamentos. Tal análise compara os ganhos em saúde com os custos associados aos novos medicamentos. Embora esta ferramenta possa ser útil para decidir quais medicamentos a financiar ou não, não deve ser usado para determinar diretamente o preço final do medicamento (“value-based pricing”). Este mecanismo baseia-se na mesma ideia de que o preço deve ser igual ao que a sociedade está disposta a pagar, e afasta o preço dos custos de I&D. Numa situação de monopólio, as empresas farmacêuticas continuarão com margens de lucro excessivas.
Mais recentemente, outras propostas têm surgido para reduzir o preço dos medicamentos e aproximá-lo ao dos custos de I&D, como por exemplo, aumentar o poder de negociação dos estados com emissão de licenças de produção ou produção direta de medicamentos no caso de preços extremos, aquisição conjunta de medicamentos, fundos internacionais de investigação orientados para doenças específicas ou aquisição de ações das farmacêuticas por parte das instituições públicas proporcional ao investimento público em I&D [7,9]. Tudo isto deve ser acompanhado inexoravelmente de uma melhoria na transparência e acesso aos dados de gastos em I&D das farmacêuticas, sendo auditadas por instituições independentes. Desta forma, seria mais fácil “fazer as contas” e ver quão perto (ou longe) se situam os preços dos medicamentos dos custos reais de I&D. Em causa está a sustentabilidade dos Sistemas de Saúde, e mais importante, o direito a saúde.
Manuel Serrano Alarcón
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Bibliografia
[1] Howard, D. H., Bach, P. B., Berndt, E. R., & Conti, R. M. (2015). Pricing in the market for anticancer drugs. Journal of Economic Perspectives, 29(1), 139-62.
[2] Davis, C., Naci, H., Gurpinar, E., Poplavska, E., Pinto, A., & Aggarwal, A. (2017). Availability of evidence of benefits on overall survival and quality of life of cancer drugs approved by European Medicines Agency: retrospective cohort study of drug approvals 2009-13. Bmj, 359, j4530.
[3] DiMasi, J. A., Grabowski, H. G., & Hansen, R. W. (2016). Innovation in the pharmaceutical industry: new estimates of R&D costs. Journal of health economics, 47, 20-33.
[4] Avorn, J. (2015). The $2.6 billion pill—methodologic and policy considerations. New England Journal of Medicine, 372(20), 1877-1879.
[5] https://www.citizen.org/our-work/health-and-safety/pharmaceutical-research-costs-myth-26-billion-pill
[6] Prasad, V., & Mailankody, S. (2017). Research and development spending to bring a single cancer drug to market and revenues after approval. JAMA internal medicine, 177(11), 1569-1575.
[7] Mazzucato, M. (2018) The people’s prescription: Re-imagining health innovation to deliver public value. UCL Institute for Innovation and Public Purpose https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/sites/public-purpose/files/peoples_prescription_report_final_online.pdf
[8] Financial Times September 11, 2018 https://www.ft.com/content/48b0ce2c-b544-11e8-bbc3-ccd7de085ffe
[9] EXPH (EXpert Panel on effective ways of investing in Health), Opinion on Innovative payment models for high-cost innovative medicines 2018. European Comission