Ricardo Mexia é, além de reconhecido médico de Saúde Pública e epidemiologista, o atual presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, em Lisboa. Orador confirmado no 14.º Congresso das Farmácias, que se realiza a 9, 10 e 11 de fevereiro de 2023 no Centro de Congressos de Lisboa, estará presente na Sessão Plenária III sobre “Desafios e oportunidades para o setor da saúde”.
E foi precisamente sobre este tema, voltado clara e obviamente para o contexto das farmácias, que o Netfarma esteve à conversa com Ricardo Mexia no seu gabinete no espaço autárquico.
Sobre a farmácia, mais concretamente a comunitária, o autarca do Lumiar diz que é “importante reconhecer as farmácias enquanto talvez a instituição de saúde que mais próxima está das pessoas, ou seja, aquela que maior distribuição tem no país”.
“Por muito que tenhamos recursos dispersos, as farmácias têm uma capacidade que não é atingível por mais nenhum equipamento e isso é uma enorme vantagem. Acaba por ser, do ponto de vista da saúde, um parceiro útil e muito interessante para implementar algumas soluções, como é o caso da testagem à covid-19 ou da vacinação”, acrescentou.
Frisando que é “muito intuitivo” contar com as farmácias enquanto bons parceiros, Ricardo Mexia destaca um episódio na sua freguesia que adveio do facto de o atual executivo do Lumiar entender que as “farmácias são parceiras do sistema de saúde, mas também operadores económicos”. “Havia uma espécie de tradição em que as farmácias faziam rastreios, mas o espaço ocupado, que carece de licenciamento, era-lhes cedido a título gratuito”, explica.
E continua: “O que nós dissemos desde que tomámos posse é que temos todo o interesse em que as farmácias possam prestar serviços à população, mas que isso deve ser feito de forma integrada e eventualmente até em parceria. Porque muitas vezes a questão dos rastreios, ou chamados rastreios, que não são verdadeiros rastreios, acaba às vezes por ser contraproducente. Entendemos que deve haver uma melhor articulação. Até houve alguma animosidade por parte da farmácia quando transmitimos esta opção diferente, porque contrastava com o passado, mas não é de todo querer hostilizar as farmácias, é querer que as coisas possam funcionar de forma mais integrada e numa logica de verdadeiramente prestar um serviço à população”.
Muito “cioso enquanto médico de saúde pública sobre o que é verdadeiramente um rastreio”, Ricardo Mexia destaca que não é por “montar-se uma banca e medir a tensão arterial às pessoas que isso automaticamente se transforma num rastreio”. “Não digo isto dizendo que era o que a farmácia ia fazer, mas às vezes isso é visto como um rastreio – e até pode ser um serviço à comunidade -, mas não é verdadeiramente um rastreio”, garante.
Sobre a estruturação e melhoramento de sinergias, o médico de Saúde Pública garante ser necessário “sistematizar” colaborações, olhando para a situação quer como presidente de junta, quer como profissional de saúde, até porque “as farmácias são um parceiro muito importante e muito útil para o contacto com a população”.
Estas visões distintas que possui, diz Ricardo Mexia, acabam por ser “complementares e não necessariamente diferentes”: “Na prática a preocupação do médico de saúde pública é com a saúde da população e a preocupação do autarca é também com a saúde e bem-estar da mesma. São múltiplas vertentes que concorrem para o mesmo fim”.
“Nós sabemos que atualmente se fala muito em uma só saúde, com a componente ambiental a ter um papel a desempenhar, em complemento à saúde humana e também à saúde animal. Essa perspetiva, seja como médico ou autarca, é sempre abrangente e incide sobre a preocupação daquilo que é a comunidade e de que forma é que podemos melhorar a saúde dessa comunidade”, frisou.
Alerta, no entanto, que também preciso que as farmácias entendam o papel que os autarcas podem ter, para que sejam feitas coisas de forma “integrada” e não “desgarrada”. “Eu acredito que temos a possibilidade de ter mais e melhor colaboração com as farmácias. Se calhar ainda não demos nós o pontapé de saída, mas talvez seja algo que tenhamos de fazer: juntar todos e ver o que é que conseguimos fazer em conjunto”, disse.
Ainda sobre isto e acerca de uma visão mais holística, não só do universo da farmácia, como também da área da saúde, Ricardo Mexia fala na necessidade de “as pessoas se encontrarem” e que o “próprio sistema de saúde tem de ir à procura de ferramentas que levem a que as pessoas se sentem à mesma mesa”.
“Há que encontrar esses contextos para que se possam encontrar soluções e talvez seja esse um dos caminhos. Não sei quem tem de dar o primeiro passo, mas diria que o todo o sistema tirará vantagem em sentar as pessoas em torno do mesmo problema para que haja mais facilidade em encontrar soluções”, explicou, adiantando ainda que dentro destas pessoas se incluem, por exemplo, o Ministério da Saúde, as farmácias, os operadores privados, os lares, entre outros, que podem contribuir, juntamente com as autarquias.
O presidente da Junta de Freguesia do Lumiar diz que alguém tem de dar o primeiro passo e que “talvez até possam ser as autarquias, visto que agora se fala da transmissão de competências do Estado central para as autarquias”. Alerta, no entanto, que estas mudanças “assentam largamente nas instalações e nos equipamentos, não havendo uma componente de política de saúde ou planeamento em saúde”.
Ainda dentro deste tal planeamento geral e voltando de novo e mais concretamente ao tema das farmácias, Ricardo Mexia lembrou ainda que talvez pudesse ser útil haver uma maior partilha de informação para que haja uma melhoria na integração de cuidados. Por exemplo, “os farmacêuticos talvez poderem aceder a informação clínica, mas também vice-versa”, diz. Especificando: “Também seria importante aquilo que é alguma da observação do farmacêutico chegar até ao médico. Sabemos que existem pessoas com carências económicas importantes e que quando vão obter os seus medicamentos às vezes têm de tomar opções”.
Assim, o autarca recorda que estas opções são “tipicamente mediadas pelos farmacêuticos” e que resultam em informação que pode ser relevante para todos os envolvidos. Sendo que o médico “não pode monitorizar se o medicamento foi ou não disponibilizado ao doente”. Ao saber de tal informação isso pode refletir-se numa próxima consulta e possa ser feito algo de diferente para que a medicação prescrita seja cumprida.
“Isto é claro numa perspetiva de razões externas para que a pessoa não consiga fazer a medicação prescrita e essa informação tem de chegar ao médico para que ele possa tentar encontrar uma melhor solução e se calhar até aos apoios sociais. E aí as autarquias podem ser envolvidas nessa resposta, fazendo a ponte em relação a estas dimensões, porque se a pessoa não tem condições económicas para tomar os medicamentos isso tem de encontrar resposta algures no sistema. Aqui as autarquias podem efetivamente ter um contributo a dar”, finalizou.
O 14.º Congresso das Farmácias acontece a 9, 10 e 11 de fevereiro de 2023 no Centro de Congressos de Lisboa e tem o Netfarma e a FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO com media partners.