A presidente da Associação Portuguesa de Informação sobre Canábis (APCANNA) defendeu que a canábis medicinal deve ser facultada gratuitamente nas instituições de saúde, tendo em conta que promove a saúde e a qualidade de vida dos doentes.
“Não considero a canábis como a cura para todas as patologias, no entanto é uma ferramenta de extrema importância tendo em conta o seu potencial terapêutico e os efeitos adversos negligenciáveis quando comparada a outros medicamentos que são comummente prescritos”, disse à Lusa Soraia Tomás, enfermeira, a propósito da primeira substância à base da planta da canábis para fins medicinais, aprovada pelo Infarmed, que está à venda nas farmácias há duas semanas, mediante prescrição médica.
Soraia Tomás defendeu que a canábis “é uma opção que promove a saúde e a qualidade de vida dos pacientes e deveria ser facultada de forma gratuita nas instituições de saúde ou, pelo menos, comparticipada em grande parte”.
Em Portugal, a administração de canábis para fins terapêuticos pressupõe que a flor de canábis seja proveniente de cultivo controlado formalizado e certificado para fins medicinais, o que, afirmou, “acarreta elevados custos para a empresa que o produz”
Tendo em conta os preços praticados em outros países europeus, a presidente da APCANNA disse não considerar “completamente desadequado” o preço praticado, 150 euros para sacos de 15 gramas, para o medicamento à venda em Portugal, mas salientou que para muitos doentes é “um preço incomportável”. Além do produto, é necessário comprar um vaporizador para o administrar.
“Temos que ter em conta que muitos pacientes se encontram numa situação financeira instável, muitas vezes a própria patologia os impede de trabalhar e além disso já têm que suportar outros custos a nível de acompanhamento médico, consultas e exames”.
Soraia Tomás disse estar confiante que a partir do momento em que forem concedidas mais autorizações por parte do Infarmed, “vai aumentar a competitividade e o preço vai ser cada vez mais acessível”.
O médico oncologista no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Paulo Freitas Tavares disse à Lusa ter “muitas reservas” em relação a este produto que consiste em flores secas da planta ‘Cannabis sativa’ L com 18% de tetrahidrocanabinol (THC) e <1% de canabidiol (CBD).
“A canábis natural tem proporções mais ou menos equilibradas de CBD e THT, entre 5% e 10%”, enquanto este produto não tem CBD, um dos canabinoides principais presentes na planta, e tem 18% de tetrahidrocanabinol, o que é “um bocadinho exagerado”, explicou o médico responsável pela Unidade de Tumores do Aparelho Locomotor do CHULC.
O oncologista explicou que o medicamento normalmente é uma molécula e a canábis é uma mistura de muitas centenas de moléculas em que umas influenciam as outras, quer potenciando os efeitos umas das outras, quer contrariando os efeitos secundários uma das outras.
“Quando começamos a mexer artificialmente, utilizando técnicas de engenharia genética, e de manipulação do conteúdo de canabinoides, como ainda sabemos pouco sobre isso vamos estar potencialmente a interferir e, se calhar, de forma prejudicial nesse efeito de ‘entourage’”, sublinhou.
O médico que há mais de 30 anos aconselha os seus doentes a consumirem “canábis natural de boa qualidade” devido aos efeitos que tem no aumento do apetite, eliminação das náuseas, dos vómitos e do mal-estar induzidos pela quimioterapia, disse ainda achar “muito estranho” que uma substância seja posta no mercado sem uma composição detalhada no rótulo.
“Não estou a ver muitos médicos a prescreverem um produto que não sabem a composição. O que lá falta mais? Eu não sei, mas quero saber. A empresa produtora pode dizer que é um segredo industrial, paciência, com a minha prescrição não vai contar”, assegurou.
Guilherme Figueiredo, médico reumatologista nos Açores, disse, por seu turno, à Lusa que “a classe médica não está preparada para prescrever [a canábis medicinal] porque desconhece, não foi formada”.
“Ainda hoje os alunos de Medicina que vão sair amanhã das faculdades não tiveram nenhuma cadeira ou uma componente de cadeiras de farmacologia ou de terapêuticas médicas complementares ou não complementares como canábis”, salientou o médico, que se tem se debruçado sobre a utilização de canabinoides na dor crónica.
“É preciso formar formadores, é preciso reunir um conjunto significativo e representativo de várias disciplinas ou especialidades para formar os respetivos médicos das diferentes áreas”, defendeu.
“Isto vai demorar tempo e, portanto, estamos a falar de um valor residual de prescrições e de doentes”, lamentou Guilherme Figueiredo.