Atlas revela que saúde dos portugueses varia consoante os distritos onde vivem 341

A saúde dos portugueses varia consoante os distritos onde vivem, o que pode dever-se às suas doenças, mas também ao acesso aos cuidados e aos recursos alocados, revela o primeiro Atlas de Variação em Saúde no SNS português.

O documento, que será apresentado na terça-feira em Lisboa, destaca as variações nas práticas de cuidados de saúde e nos resultados para os doentes, com o objetivo de ajudar os profissionais de saúde, decisores políticos e cidadãos a tomar decisões mais informadas, referem os autores.

Este projeto de investigação foi coordenado pelo Laboratório Colaborativo Value for Health CoLAB em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-Nova).

Os investigadores ressalvam que o Atlas não pretende avaliar a qualidade dos hospitais, mas sim observar indicadores sobre os cuidados de saúde prestados à população residente em diferentes distritos, que podem ter várias justificações.

“O que este Atlas mostra é que conforme o distrito onde vivemos obtemos resultados da saúde diferentes que não resultam só das doenças e não resultam só da preferência dos cidadãos, podem resultar de questões de acesso à saúde, de questões de literacia e podem resultar de questões muito importantes de utilização ou de alocação de recursos”, disse à agência Lusa o cirurgião cardiotorácico José Fragata.

O estudo, que já foi realizado em vários países, apresenta 21 mapas, que incluem doenças associadas a um elevado esforço em número de procedimentos e consequente despesa para o SNS (doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, diabetes, cesarianas, fratura da anca, doença mental grave).

Retrata o número de internamentos, a sua duração e a mortalidade, entre janeiro de 2018 a 31 de outubro de 2019, período que permitiu eliminar o impacto da pandemia de covid-19 na prática médica e definir este período como comparativo para futuras análises.

“É um atlas de diagnóstico de variação baseada na geografia onde residimos e fornece a quem quiser e a quem tem essa obrigação ferramentas para aprofundar os estudos para perceber melhor e para implementar medidas”, defendeu José Fragata.

Segundo o especialista, já se sabia que havia uma variação em saúde (a esperada e a indesejável), mas não estavam à espera da amplitude que foi detetada: “É impensável que os resultados da saúde possam variar 3, 4 vezes conforme a região de um país que tem 89.000 km quadrados de área de superfície”, o que pode significar “desperdícios, desigualdades”.

“Mesmo em relação à doença cardiovascular, tipicamente o interior e as regiões mais a Sul têm indicadores de saúde que se afastam do litoral, por exemplo, e portanto, vale a pena olharmos para a razão dessa variação”, defendeu José Fragata.

Já no caso da DPOC [Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica], exemplificou a diretora da ENSP-Nova, Sónia Dias, observa-se que os “cidadãos residentes em cidades do Norte do país acabam por apresentar taxas de internamento muito superiores” quando comparadas com as taxas de internamento de residentes “mais no interior ou mais no Sul” do país.

“Isto acontece de forma diferente e com perfis diferentes em diferentes doenças”, disse Sónia Dias, ressalvando que a maioria das doenças com maior mortalidade e morbilidade têm causas multifatoriais sejam do cariz mais genético, demográfico, ambiental ou até comportamental que justificam as diferentes características epidemiológicas observadas nas regiões.

Do ponto de vista da saúde pública, salientou, “o que é importante” é que grande parte destas causas podem ser evitadas ou previsíveis.

Alertou por isso para a importância da implementação de políticas e intervenções, por exemplo, na área da promoção da saúde e prevenção da doença, incluindo as questões da literacia em saúde e como os cidadãos podem ser responsáveis por melhorar parte da sua saúde, mas também mais intervenções direcionadas aos perfis e às necessidades de saúde de diferentes regiões para reduzir as desigualdades.

A nível da organização dos serviços, este conhecimento pode permitir “uma melhor e maior adequação” dos recursos e do acesso a cuidados de saúde, tendo em conta as necessidades, por exemplo, de diagnóstico e de tratamento.

A diretora executiva do Value for Health CoLAB, Ana Rita Londral, adiantou, por seu turno, que o Atlas “não é para fazer um julgamento direto sobre uma determinada doença”, mas para retratar “um pouco a variação e pôr todas as pessoas a pensar na origem dessa variação”.

“O perigo é concluirmos logo que a variação está relacionada com qualidade”, porque há casos em que a variação pode ser justificada, disse a investigadora, rematando que o que se pretende é que o atlas seja “um instrumento de discussão”.