A distribuição farmacêutica em Portugal tem enfrentado uma realidade preocupante: a degradação do preço dos medicamentos. Fruto de uma política de preços que não reflete os custos reais da produção, distribuição e dispensa de medicamentos, o mercado farmacêutico português tem hoje menos valor do que há 15 anos, o que coloca uma pressão insustentável sobre os agentes do circuito do medicamento.
A distribuição farmacêutica percorre diariamente o território nacional para garantir que os medicamentos chegam às farmácias em todas as regiões do país. Sem uma revisão da política de preços, são crescentes as dificuldades para assegurar a distribuição de medicamentos, especialmente em regiões de menor densidade populacional, muitas vezes em rotas com rentabilidade negativa.
O congelamento de preços coloca em risco o abastecimento de medicamentos e compromete o acesso da população a tratamentos essenciais, ao colocar os distribuidores farmacêuticos numa situação financeira frágil, uma vez que a remuneração do seu serviço, que é feita por uma percentagem do preço do medicamento, não tem acompanhado o crescimento da inflação, a evolução salarial, o aumento dos custos de combustíveis e energia, nem o incremento das exigências logísticas e regulamentares.
A necessidade de uma atualização automática dos preços
Uma política de preços desajustada tem também especial impacto na atratividade do mercado português para os laboratórios farmacêuticos, motivo pelo qual a atualização dos preços se assume como um princípio essencial para garantir que o mercado nacional continua competitivo e capaz de atrair laboratórios internacionais, evitando a retirada de produtos essenciais.
Como consequência inevitável da não atualização dos preços, acentua-se o problema da escassez, que afeta várias áreas terapêuticas, pelo que, sem uma intervenção a este nível, a falta de interesse dos laboratórios poderá agravar-se ainda mais, com impacto na disponibilidade de medicamentos em Portugal.
A isto acresce uma dificuldade sobejamente reconhecida: Portugal é um mercado de pequena dimensão e periférico. Os preços baixos, e não raras vezes desajustados, são convidativos à canalização do abastecimento para mercados mais fortes, em que as empresas tiram proveito de uma valorização mais competitiva do ponto de vista dos preços e de uma estrutura de mercado mais vantajosa. Esta tensão é própria de um setor que se caracteriza por uma procura de dimensão mundial, mas com uma oferta de disponibilidade limitada.
A criação de um mecanismo de atualização automática e anual, medida que já se aplica a outros setores da economia, permitiria ajustar os preços de forma previsível e gradual, garantindo que estes refletem os custos reais envolvidos na produção e distribuição.
Olhemos, por exemplo, para o setor da energia. Em Portugal, os preços da eletricidade e do gás natural são ajustados periodicamente, com base na variação dos custos de produção e distribuição, bem como em fatores externos, como a flutuação dos preços internacionais da energia. Este modelo permite que os preços acompanhem as condições de mercado, garantindo a sustentabilidade das empresas e assegurando que os consumidores pagam um preço ajustado à realidade económica.
A aplicação de um mecanismo de atualização automática no setor dos medicamentos, indexada a um indicador como a inflação ou o índice de preços ao consumidor, asseguraria que os preços se ajustam de forma gradual e sem aumentos bruscos, mantendo-se justos para o utente, mas refletindo os custos reais e evitando falhas no fornecimento.
Contudo, aquilo a que temos assistido nos últimos anos no mercado farmacêutico é um cenário em que os agentes do setor absorvem repetidamente, sem qualquer ajustamento no preço, o aumento de custos logísticos, de energia, salariais e regulamentares.
Urge, portanto, que o Governo e as entidades reguladoras implementem uma atualização automática e anual dos preços dos medicamentos como forma de minorar a escassez de medicamentos que afeta o nosso mercado e tem impacto na Saúde Pública.
A atualização automática dos preços pode corresponder a uma solução eficaz para um abastecimento mais regular e seguro. Um mercado atrativo, com uma política de preços justa e atualizada, assegura que o fornecimento de medicamentos essenciais seja mantido e que os utentes continuem a ter acesso a tratamentos cruciais para a sua saúde, garantindo também a continuidade do funcionamento de uma cadeia de distribuição vital para o país.
Nuno Flora
Presidente da Associação de Distribuidores Farmacêuticos (ADIFA)