O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos alertou esta quarta-feira para o facto de o preço não ser a principal razão da falha de medicamentos no mercado, apontando a falta de matérias-primas e a exportação paralela.
Em declarações aos deputados na Comissão Parlamentar de Saúde, onde foi esta quarta-feira ouvido, a pedido do Chega, sobre as ruturas de medicamentos, Helder Mota Filipe sublinhou a importância de distinguir “falhas” de “ruturas”, explicando que estas sempre existiram, mas admitindo que agora se regista uma tendência de aumento.
Sobre as falhas de medicamentos no mercado, disse que o preço é uma das razões, mas não é a única, e que é preciso analisar a causa e atuar de acordo com essa informação. “Se o problema for de falta de matérias-primas [e] se eu aumentar o preço, isso não vai resolver nada”, explicou, citado pela Lusa.
A este respeito, deu o exemplo da guerra na Ucrânia: “A zona em guerra é um dos grandes produtores de alumínio, de que precisamos para fechar o ‘blister’, na parte de trás. Sem isso não se consegue embalar os comprimidos e colocá-los no mercado”.
Apontou ainda a exportação paralela, explicando que esta acontece por causa da diferença de preços dos medicamentos nos diversos países da Europa e sublinhando que Portugal “é um exportador paralelo porque tem preços mais baixos” e que esta exportação tem de ser monitorizada.
“Exportar demais para mercados que pagam mais também pode levar a ruturas”, alertou Helder Mota Filipe, explicando que o Infarmed tem uma lista de medicamentos cuja exportação pode não ser autorizada, precisamente para evitar que o país fique sem acesso.
Questionado sobre as ruturas de medicamentos no mercado, o bastonário disse ser importante fazer a distinção entre falhas e ruturas, explicando: “Falha é diferente de rutura. Falha é transitória e basta faltar durante 12 horas. Rutura é quando mercado deixa de estar abastecido por tempo prolongado”.
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos disse ainda que as ruturas de medicamentos não são um problema apenas do mercado nacional – “são um problema europeu” -, mas sublinhou que Portugal tem “condições particulares que permitem que o problema se agrave”, apontando o mecanismo anual de revisão de preços.
“Tem a sua vantagem, que é o SNS [Serviço nacional de Saúde] pagar menos, em vez de pagar mais, e manter o acesso. Mas faz com que esta revisão seja sempre para manter ou baixar [o preço]. Só muito excecionalmente se pode aumentar”, afirmou. Defende que, a este nível, é preciso perceber quando o medicamento deixar de ter sustentabilidade para se manter no mercado e “ter um mecanismo célere para rever adequadamente o preço nestes casos”.
Helder Mota Filipe apontou ainda os casos de falhas no mercado por causa de picos de procura, exemplificando com os fármacos para as infeções respiratórias pediátricas: “há um aumento brusco da procura e o mercado não responde a tempo. Não quer dizer que haja rutura”. “Os dados que temos indicam que, até agora, há em quantidade suficiente no mercado português, mas há dificuldade de reposta a esta procura”, afirmou, admitindo: “Poderíamos ter sido mais proativos (….) e antecipado melhor a situação”.
Sobre a necessidade de alargamento do papel do farmacêutico, deu o exemplo de duas medidas que constam do Orçamento do Estado para 2023, como a renovação terapêutica em doentes crónicos e a disponibilização em farmácia comunitária de medicamentos de dispensa hospitalar, considerando que o âmbito das tarefas pode ir mais além.
“É preciso que haja um conjunto protocolado de medidas que permitam a intervenção dos farmacêuticos para que o doente não tenha de fazer um ‘ping pong’ [da farmácia para o médico prescritor] para ter a medicação”, referiu. “Para isso, precisamos de duas coisas: capacidade de comunicação entre os farmacêuticos e outros prestadores, nomeadamente os prescritores, (…) e ter acesso à informação clínica relevante do doente”, acrescentou.
O bastonário apontou ainda a necessidade de Portugal ter “uma verdadeira reserva estratégica”, sublinhando que seria preciso uma “perspetiva moderna” nesta matéria, aumentando a quantidade de medicamento em circulação para garantir que o Estado possa recorrer a esse stock para resolver problemas urgentes.
“Ter em Portugal uma verdadeira reserva estratégica de medicamentos pode amortecer significativamente o efeito de uma falta de medicamentos”, considerou o responsável, acrescentando: “A reserva estratégica do medicamento foi trabalhada no contexto covid, mas não responde às necessidades de uma sociedade moderna”.
Disse ainda que “manter nos hospitais e no laboratório militar um armazém estático de produtos que podem ser úteis em situações de crise não resolve o problema, pois passa a validade e, depois, os medicamentos não podem ser usados”. “A nova realidade internacional é criar condições para que os operadores colaborem na reserva estratégica”, concluiu.