“Não lemos e escrevemos poesia porque é ‘fofinho’. Lemos e escrevemos poesia porque somos parte da espécie humana. E a espécie humana está cheia de paixão. Medicina, Direito, Gestão e Engenharia são ambições nobres e necessárias à manutenção da vida. Mas a poesia, a beleza, o romance e o amor são as coisas pelas quais permanecemos vivos.”
Esta citação livre que faço do filme “O Clube dos Poetas Mortos”, o clássico lendário em que o Professor John Keating, interpretado por Robin Williams (que, como é sabido, teve vários problemas de saúde mental ao longo da sua brilhante carreira), inspira os seus alunos quase adultos a tornarem as suas vidas extraordinárias, não é ocasional. Quer pelo filme de que provém, quer pelo actor que o diz, quer pelos tempos em que vivemos, creio que seria interessante se o leitor ou leitora, neste período de férias, colocasse a mão na consciência e fizesse um balanço muito franco para consigo mesmo colocando a seguinte questão: estou ou não melhor do que estava há um ano atrás em termos de bem-estar? Quanto é que sinto que a minha vida e a minha saúde – do ponto de vista físico, mas também mental e emocional – melhorou, e que pontos de melhoria é que identifico?
Poderá parecer, pelo menos ao início, descabido ao leitor que se coloque este foco no bem-estar – e até pode ser que, enquanto sociedade, estejamos a considerar o nosso bem-estar como algo que merece apenas a nossa atenção em momentos traumáticos, como a perda de um ente querido com quem não passámos tempo suficiente. Menos descabido será examiná-lo, porém, quando se verifica, por exemplo, que a relação entre bem-estar e saúde mental é uma das relações estatísticas de causa e efeito mais bem estabelecidas da medicina; que o bem-estar afecta activa e significativamente a forma como vivemos, aprendemos, trabalhamos e envelhecemos; e que diferenciais significativos ao longo da vida entre pessoas com graus elevados e menos elevados de bem-estar se traduzem em consequências severas, como um aumento do risco de doenças de várias etiologias, bem como na qualidade de vida globalmente experimentada.
Este exercício de autodiagnóstico, para além de ter provas milenares dadas enquanto acto construtor da resiliência mental se repetido com uma periodicidade frequente (pelo menos uma vez por semana) poderá também despertar algumas conclusões interessantes que nos poderão levar a agir sobre algumas dimensões da nossa vida, desde a nossa nutrição, ao exercício, ao equilíbrio que estabelecemos entre vida profissional, pessoal e familiar.
No que diz respeito ao interesse político na matéria, sobressai o passo dado pela Nova Zelândia com a apresentação, em 30 de maio passado, do “Wellbeing Budget”, vulgo Orçamento do Bem-Estar. É, na verdade, a definição de prioridades no processo de alocação de fundos (leia-se, orçamentação) de uma forma não discricionária mas sim em função de problemas sociais claramente identificados e medidos como sendo chave para o bem-estar da população, entre os quais o reforço da saúde mental, a melhoria do bem-estar infantil, a criação de uma sociedade produtiva, a transformação da economia face aos desafios da sustentabilidade e um programa alargado de investimento público. Outros países, como o Butão, tinham já desenvolvido iniciativas similares – e a preocupação com o garantir que a vida dos cidadãos é mais do que uma rotina fechada sobre si mesma é algo com que os governos se terão de preocupar mais activamente, sob pena de verem alheado de si o eleitorado, que dá sinais claros de aspirar a algo mais. O estudo destas iniciativas é uma leitura que certamente complementará muito bem o exercício que acima proponho.
Sei que este artigo poderá ser atípico no âmbito da coluna Netfarma, e sobretudo dos artigos que tenho aqui publicado; mas que se erga o leitor que não sente que poderia ter feito muito mais pelo seu bem-estar este ano, e se isso não está diretamente ligado à capacidade de ouvir a sua própria voz. Porque, como diz o filme, “(…) devem procurar encontrar a vossa voz pois, quanto mais tarde começarem, menos provável será encontrá-la de todo. Thoreau disse que a maioria das pessoas vive vidas de desespero silencioso. Não se resignem a esse destino – rebelem-se”!
Diogo Nogueira Leite
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Economics and Management – Knowledge Center. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)