O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, negou qualquer “interferência política” no processo atribuição da nacionalidade às gémeas luso-brasileiras, considerando que foi “normalíssimo do ponto de vista da lei”.
“Tratou-se de um processo normalíssimo do ponto de vista da lei. Não havia qualquer dúvida da nacionalidade originária das duas meninas. Eram filhas de mãe portuguesa”, salientou Santos Silva, após ser interrogado pela deputada única do PAN, Inês de Sousa Real.
O ex-governante depôs ontem, de acordo com a Lusa, na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas com atrofia muscular espinal tratadas com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria, em 2020, em Lisboa.
Ainda em resposta ao PAN, Santos Silva disse que nunca falou com Nuno Rebelo de Sousa ou com o Presidente da República sobre o caso e que desconhece se intercederam de forma direta ou indireta “para pedir facilitação ou agilização” do processo.
Na declaração inicial da audição, que durou mais de uma hora, o ex-ministro disse ter solicitado documentação ao atual Ministério dos Negócios Estrangeiros que pudesse “referir direta ou indiretamente o seu nome” no processo ocorrido no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, em 2019, relativamente à atribuição da nacionalidade portuguesa, o que não se comprovou.
Santos Silva, que disse apenas ter tido conhecimento do caso pela televisão em novembro de 2023, sublinhou que ficou “muito satisfeito” que o então cônsul em São Paulo tenha autorizado que funcionários consulares pudessem deslocar-se ao hospital para tratar do processo de naturalização.
Entendendo que o papel de Santos Silva “estaria esclarecido e não faria sentido estar presente” na comissão, o deputado do PSD António Rodrigues, todavia, quis saber qual era a “curiosidade” que o ex-ministro tinha em estar no parlamento a responder perante os deputados, questionando se não foi “para tirar alguma posição política”.
“Não sou capaz de tamanho maquiavelismo. Intriga-me o seu raciocínio e a sua lógica. […] Eu não ocupo nenhum lugar institucional hoje em dia, sou um simples particular”, disse.
Por sua vez, o deputado do PS João Paulo Correia não fez qualquer pergunta e considerou que a audição de Santos Silva “não acrescenta nada ao objeto da comissão de inquérito”, apenas faz parte de “uma agenda política”.
A IL, partido que propôs chamar Santos Silva à comissão de inquérito, rejeitou que esta audição tenha tido uma motivação política ou alguma suspeita sobre a sua atuação e defendeu que o objetivo passa por perceber como eram geridos os agendamentos e esclarecer o que Nuno Rebelo de Sousa queria dizer no email que enviou ao pai, o Presidente da República, no qual escreveu estar empenhado na obtenção dos cartões de cidadãos das crianças.
Na resposta, Augusto Santos Silva disse desconhecer essas comunicações e considerou que dizer que se está envolvido num assunto “não quer dizer que esteja a tornear a lei”.
Sobre os agendamentos para atos consulares, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros disse ter conhecimento de que existia “uma espécie de mercado negro”, em vários países, que o Governo tenta combater, e disse desconhecer se a marcação para as gémeas passou por esse sistema.
Já ao BE, o antigo presidente da Assembleia da República disse acreditar que se algum consulado conseguiu identificar responsáveis, terá reportado às entidades competentes.
Ainda em resposta a Joana Mortágua, Augusto Santos Silva indicou que também não tem conhecimento de “nenhuma ação de lóbi” de Nuno Rebelo de Sousa para “angariar negócios ou investimentos usando ligações familiares”, mas lembrou que, enquanto presidente da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo, uma das suas funções passaria por tornar mais fáceis relações económicas com Portugal.
Questionado pelo líder do Chega se tomou alguma diligência depois de saber do caso, Santos Silva respondeu que decorre uma investigação judicial e que tem confiança nas instituições.