Leonor, de 14 anos, e Virgílio, de 80 anos, são dois das centenas de manifestantes que este domingo (17) participam na marcha organizada pela CGTP em defesa do Serviço Nacional de Saúde, em Lisboa.
Virgílio Guerreiro, de 80 anos, a segurar uma faixa da Inter-reformados com a mensagem “reforçar o SNS”, disse à Lusa que participou no 25 de abril, “um dos melhores momentos da vida”, e que, passados 49 anos e conquistas como a saúde pública, não pode aceitar que “o SNS esteja a ser degradado e a saúde empurrada para os privados, para aqueles que têm dinheiro”.
Questionado sobre se sente essa degradação quando vai ao centro de saúde ou ao hospital, afirmou que “só não sente quem está desatento”.
Por isso, contou, a última semana passou a falar com idosos, sobretudo em jardins públicos, para que se juntassem à luta.
“Não é só criticar, tem de se tentar alterar para melhor”, defendeu.
A CGTP organizou a Jornada Nacional da Defesa e Reforço do Serviço Nacional de Saúde, com iniciativas por todo o país e que em Lisboa teve uma marcha que, pelas 15:00, partiu de junto à rotunda do Marquês de Pombal para terminar na praça do Saldanha.
Os participantes, entre eles sindicatos de profissionais de saúde, comissões de utentes, bombeiros, iam gritando palavras de ordem como “O povo merece melhor SNS” e “O público é de todos, o privado é só de alguns”.
Com 14 anos, vinda de Almada, Leonor Dias considerou que “só vindo à rua se luta pelos direitos”.
“Toda a gente tem o direito à saúde, não pode ser um negócio”, afirmou a jovem, que pertence à Juventude Comunista Portuguesa (JCP).
“A saúde é um direito, sem ela nada feito” gritava Maria Pinto ao megafone, a liderar um grupo sobretudo de mulheres da Comissão de Utentes do Bom Sucesso e Arcena (Alverca, concelho de Vila Franca de Xira).
“Está muito caótica a falta de médicos nos centros de saúde, temos no nosso concelho dois sítios (Alhandra e Forte da Casa) sem médico nenhum de família”, relatou à Lusa.
Para a manifestante, o SNS estaria melhor se “o Governo parasse de dar dinheiro à saúde privada, se desse aumentos e condições aos trabalhadores da saúde”, pois aí esses “teriam mais brio e mais vontade de concorrer aos concursos”.
A encimar a marcha estava a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, que disse à Lusa que “é preciso que acabe o desinvestimento e suborçamentação na saúde”, feita pelos sucessivos governos, e que haja a “valorização dos trabalhadores do SNS e condições para exercerem as suas profissões imprescindíveis”.
“Ainda assim, o SNS continua a ser a grande resposta para o direito à saúde no nosso país, por empenho dos trabalhadores e porque o povo defende porque sabe que necessita dele, que é um direito e conquista de Abril do qual não podemos prosseguir”, afirmou. Há “riqueza mais do que suficiente para garantir a vida a todos”, adiantou, apontando os fundos que gerem as 20 maiores empresas e grupos económicos.
Questionada sobre a aprovação esta semana pelo Governo do regime de trabalho da dedicação plena dos médicos, Camarinha disse que são medidas “discriminatórias, que não resolvem o problema e não garantem um salário digno e justo para quem exerce atividade profissional”.
Além disso, há imposição aos médicos de trabalho extraordinário permitida por lei. “Querem que prescidam dos direitos que foram negociados e acordados no acordo coletivo de trabalho”, disse.
O Governo aprovou na quinta-feira o diploma do novo modelo das Unidades de Saúde Familiar (USF) e criou as condições para generalizar o mesmo modelo, de equipas multiprofissionais auto-organizadas, nos hospitais, assente na dedicação plena dos profissionais (com aumento salarial para os que aceitem este regime).
As duas principais organizações sindicais de médicos – Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) – consideraram, logo no dia, que as medidas não resolvem os principais problemas e poderão mesmo afastar mais profissionais do SNS.
A FNAM disse mesmo que vai pedir ao Presidente da República que peça a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos diplomas.
A presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, disse que a compensação remuneratória é insuficiente e é atribuída “à custa de perda de direitos que prejudicam os doentes”, uma vez que o regime prevê, por exemplo, o aumento de 150 para 250 horas extraordinárias, o aumento para nove horas da jornada diária de trabalho e o trabalho ao sábado, além do serviço de urgência.
Também o presidente do SIM disse ter reservas quanto ao regime de dedicação plena aprovado, precisamente por implicar um aumento significativo da carga de trabalho dos médicos.
O deputado do Chega Pedro Frazão também esteve presente na marcha organizada pela CGTP, tendo afirmado à Lusa que “é altura de vir para a rua dizer que o SNS tem de ser acarinhado”.
“Ouvi num discurso que estava na hora de dizer basta, nós andamos há anos a dizer que está na hora de dizer chega e neste caso está de facto na hora de dizer chega a um SNS cada vez mais inapto, continuamos a ver grávidas a morrer e se este ministro da Saúde conseguiu mudar alguma coisa foi para pior”, considerou o deputado.
O partido foi muito criticado em 2019 por defender que o Estado não deveria intervir na prestação de serviços de saúde, mas ser árbitro do mercado, tendo posteriormente mudado o programa político que agora fala em saúde universal e gratuita.
Questionado sobre a posição do Chega sobre o SNS, Pedro Frazão disse que o “Chega sempre defendeu que o setor da saúde deve ter três pilares, social, público e privado”, e que há uns meses o partido apresentou no parlamento “15 medidas para reforçar o SNS, os profissionais de saúde e suas carreiras [que] têm sido liminarmente chumbadas pelo PS”.
Sobre se estavam a participar militantes do Chega na manifestação organizada pela CGTP, o deputado afirmou não saber. “Honestamente não sei, estão aqui milhares de pessoas, não sei mas admito que sim”, disse.
No final da marcha foi aprovada pelos participantes uma resolução com vários pontos, entre eles a defesa e reforço do SNS, com mais investimento, melhores condições de trabalho para os profissionais e fim da “promiscuidade” entre SNS e setor privado, com fim das parcerias público-privado.