Círculos de qualidade: um bom exemplo de cooperação entre profissões de saúde 873

Em 1997, farmacêuticos e médicos do cantão de Friburgo na Suíça criaram grupos de trabalho conjuntos cujo principal objectivo era de reforçar a sua formação contínua e melhorar as suas práticas no interesse dos doentes. Foi o início duma iniciativa denominada círculos de qualidade de médicos e farmacêuticos (CQ) que conheceu uma difusão gradual no sistema de saúde suíço. Ao longo dos anos, foram criados CQs no âmbito da medicina familiar e nos lares de idosos a fim de melhorar e tornar mais segura a prescrição de medicamentos. Outros objectivos foram os de melhorar o relacionamento entre médicos e farmacêuticos ao nível local e proporcionar menor despesa às seguradoras sem sacrificar a qualidade dos cuidados. Realce-se que o sistema suíço de proteção na saúde assenta em companhias de seguros privadas sujeitas a (forte) regulação pública, não havendo um Serviço Nacional de Saúde como em Portugal.

Existem actualmente cerca de 60 CQs, pelo que a dimensão mínima eficiente para a sua constituição não aparenta ser muito elevada. Actualmente, cerca de 500 médicos e 150 farmacêuticos participam nos CQs.

Os CQs são de adesão voluntária e envolvem cinco a quinze médicos de família bem como um a três farmacêuticos, que têm o papel de dinamizadores. Funcionam como um mecanismo de formação contínua específica, com reuniões entre pares numa primeira fase, e posteriormente com reuniões entre médicos e farmacêuticos para debater casos de doentes, seleccionados pelos médicos. O objectivo é discutir e definir, em conjunto, qual a melhor terapêutica atendendo aos resultados conseguidos e respectivos custos. Há uma participação activa dos farmacêuticos nas reuniões com os médicos de família.

Nos CQs, cada farmacêutico recebe cerca de 13,000 Euro por ano (Em 2013 o PIB per capita foi 45,000 Euro na Suíça e 14,300 Euro em Portuga), tendo como contrapartida dinamizar pelo menos três sessões, ter pelo menos cinco médicos no círculo, promover a discussão de pelo menos quatro temas (de nove possíveis) e apresentar e discutir estatísticas de prescrição. O trabalho de preparação dos dados e organização da informação fica a cargo do farmacêutico. Cada médico participante fornece a sua autorização para que a respectiva informação de prescrição seja tratada e comparada. A apresentação das diferenças entre médicos tem como propósito levar cada médico reflectir sobre a sua prática, com base em conhecimento científico.

Na discussão das estatísticas de prescrição são focados aspectos como os custos, a frequência de prescrição de cada medicamento e a proporção de genéricos. Os detalhes da prescrição são objecto de comparação com um grupo de referência (benchmarking). As reuniões têm como objectivo criar um consenso sobre prescrição, seja para confirmar as escolhas habituais seja para sugerir pistas de melhoria para essa prescrição. Os consensos gerados não criam obrigação de prescrição, pois cada médico tem que considerar o contexto específico dos seus doentes.

É um modelo simples, pouco constrangedor (ocorre apenas 4-5 vezes por ano) e que beneficia os doentes. Exige, no entanto, a confiança entre os parceiros e a contribuição dos médicos dado que eles devem por em prática no quotidiano as recomendações que foram estabelecidas em consenso. Para conseguir que os farmacêuticos possuam o nível técnico e a capacidade pessoal de moderar o círculo é necessário uma formação ao mais alto nível, exigindo que a formação técnica seja especialmente cuidada sem descurar as competências de gestão de encontros e criação de acordos consensualizados.

Uma análise detalhada dos resultados em termos de qualidade e de economia está a ser efectuada continuamente e permite comparar o tratamento actual por membros dos CQs com o de um grupo de controlo de médicos que não são membros desses círculos. A análise é feita tanto do ponto de vista farmacoeconómico como do ponto de vista farmacoterapêutico.

Relativamente ao controlo dos custos anuais em medicamentos por doente, um estudo recente mostra que a diferença acumulada desde 1999, entre o CQs e o grupo controlo era, em 2010, de 40% a favor dos CQss. Isto representa, para 2010 apenas, uma economia de cerca de 190,000 Euro por médico participante num CQs em comparação com os médicos que não são membros de qualquer círculo. Estes resultados são explicados por um perfil de prescrição mais eficiente, melhor penetração dos genéricos, uma atitude mais ponderada face as estratégias de marketing da indústria farmacêutica, e uma educação contínua interdisciplinar especializada no uso racional de medicamentos e melhor implementação das recomendações nacionais ou internacionais.

A importância dos CQs resulta de se ter melhor escolha do tratamento à população, possibilitado pela cooperação entre médicos e farmacêuticos, que aparenta ter efeitos importantes sobre a despesa em medicamentos. É também exemplo de uma maior cooperação entre as várias profissões de saúde, aspecto que tem sido crescentemente apontado como uma das características que será fundamental nos sistemas de saúde do século XXI.

Alberto Holly, Professor Jubilado da Universidade de Lausanne, Suíça, e Professor catedrático convidado da NovaSBE.

 

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)