CNECV alerta para necessidade de padronização do uso off-label de medicamentos 953

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) analisou as implicações éticas suscitadas pelo uso off-label de medicamentos, uma prática frequente na terapêutica nos diferentes sistemas de saúde, sublinhando que existe atualmente em Portugal uma “manifesta heterogeneidade de procedimentos”, que importa uniformizar.

O uso off-label de um medicamento refere-se a situações em que este é usado intencionalmente para uma finalidade médica, em condições não conformes com os termos da autorização de comercialização.

O Conselho recomenda que o uso off-label de medicamentos se paute por procedimentos padronizados a nível nacional, quer no que respeita à sua avaliação prévia nos planos técnico-científico e ético por parte de comissões especializadas, quer no que respeita à obtenção do consentimento informado do doente.

No momento da prescrição, “o médico deve sempre assegurar-se de que a informação foi transmitida com eficácia e as premissas compreendidas, de modo que a decisão do doente ou do seu representante legal seja verdadeiramente informada”, explica o CNECV. Aquando da dispensa do medicamento, “o farmacêutico deve informar o doente ou o seu representante legal sobre a correta utilização off-label do medicamento e contribuir para promover a segurança e a efetividade da terapêutica”.

O CNECV recomenda que o uso off-label de medicamentos seja restringido às situações em que, no conjunto dos medicamentos com Autorização de Introdução no Mercado, não exista um aprovado para a situação clínica do doente. Esta utilização deve apoiar-se em prova científica credível, permitindo “perspetivar resultados terapêuticos com uma relação benefício/risco favorável para o doente, e ser custo-efetiva, devendo ainda ser sempre instituída uma farmacovigilância ativa”.

O CNECV identificou três situações distintas de uso off-label de medicamentos na prática clínica em Portugal, que configuram níveis de risco também distintos e justificam a adoção de abordagens e procedimentos diferenciados, de exigência ética proporcional ao seu crescente grau de incerteza e risco. Quando o uso off-label de um medicamento é apoiado em prova clínica reconhecida e se encontra plenamente instituído na prática clínica “justifica-se que a sua utilização e os protocolos terapêuticos que a prevejam sejam objeto de procedimentos de aprovação simplificados”.

Quando respeita a um uso off-label pontual, num doente específico, de medicamentos presentes no mercado há vários anos, “impõe-se que a avaliação prévia seja realizada caso a caso, tendo em conta a prova científica disponível e a condição clínica do doente”. Por fim, quando o uso off-label envolve medicamentos inovadores no tratamento de doentes específicos, “impõe-se igualmente que a avaliação prévia seja realizada caso a caso”.

Além disso, “sendo os medicamentos inovadores em regra dispendiosos, impõe-se também que seja analisado o seu valor terapêutico acrescentado e o seu perfil de custo-efetividade”, continua o Conselho. Também a obtenção do consentimento informado do doente ou do seu representante legal poderá seguir procedimentos diferenciados em cada situação de uso off-label de medicamentos, refere.

No seu parecer, o CNECV recomenda que a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica assuma um papel ativo neste domínio, pronunciando-se sobre as diferentes utilizações off-label praticadas diariamente em Portugal, não somente a nível hospitalar, como também em ambulatório, sem prejuízo do importante papel já desempenhado pelas comissões de farmácia e terapêutica e pelas comissões de ética dos hospitais.

No que respeita ao ambulatório, o CNECV recomenda que as comissões de farmácia e terapêutica e as comissões de ética das Administrações Regionais de Saúde assumam responsabilidades de avaliação do uso off-label de medicamentos em condições equiparáveis ao contexto hospitalar.

Também as Ordens profissionais dos médicos e dos farmacêuticos, no âmbito da sua missão reguladora das boas práticas profissionais, “devem assumir um papel mais ativo em
matéria de uso off-label de medicamentos, nomeadamente pronunciando-se e emitindo recomendações, nos planos técnico-científico, deontológico e ético”.

Adicionalmente, o CNECV recomenda que os estudos experimentais relativos ao uso off-label de medicamentos, como os ensaios clínicos denominados “da iniciativa do investigador”, sejam “promovidos e incentivados; sejam aperfeiçoados os incentivos já existentes a nível europeu e desenvolvidos outros complementares para estimular as companhias farmacêuticas a, sempre que se justifique, incluírem outras indicações terapêuticas e/ou outras condições de utilização dos medicamentos, diferentes das já aprovadas; e que as companhias farmacêuticas sejam desencorajadas de adotarem estratégias comerciais de segmentação do mercado”.

Por fim, o CNECV recomenda a criação de uma plataforma eletrónica dedicada ao uso off-label de medicamentos, em que sejam registados os usos off-label de medicamentos, bem como os respetivos efeitos positivos e negativos, e com interoperacionalidade com os demais sistemas de informação em saúde.

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) aprovou, por unanimidade, o Parecer Nº 123/CNECV/2023 sobre o uso off-label de medicamentos que pode consultar aqui. Os relatores deste parecer são Carlos Maurício Barbosa, André Dias Pereira e Miguel Guimarães.