Todos temos bem enraizada a ideia de que a saúde é um direito universal, conforme expressamente plasmado na Carta das Nações Unidas, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na Constituição da República Portuguesa. Quanto a esta última, no seu artigo 64º se evoca o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover, incumbindo prioritariamente ao Estado “orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos”. Esta posição, prática corrente em toda a Europa, torna imprescindível a intervenção de um terceiro pagador, por muitos entendido como “mediador na acessibilidade aos medicamentos”, localizado numa espécie de “meio caminho” entre a indústria farmacêutica e o consumidor final. Todavia, esta prática acarreta consigo peso para os orçamentos dos países, de tal modo que o financiamento estatal representa, em média, 64% da despesa farmacêutica da UE. O crescimento da despesa farnacêutica foi crescendo de tal forma, acabando por suplantar o crescimento médio das economias dos países da OCDE, encontrando-se Portugal, neste campo, acima da média europeia, o que torna importante, portanto, prover à sustentabilidade da despesa farmacêutica com intervenção ao nível da indústria farmacêutica, dos prescritores, dos armazenistas, das farmácias e dos consumidores. Em Portugal, a intervenção no sector, nomeadamente nas regras de formação do preço dos medicamentos ou de comparticipação do preço destes iniciou-se de forma mais activa em 2010, coincidindo com o descalabro económico-financeiro em que nos vimos mergulhados, e com a ditadura de cumprimento de metas orçamentais e de excessiva preocupações orçamentais, em tudo contrárias a um bem inigualável e sem preço, que é a saúde. De tal intervenção resultou um aumento de exportação paralela, uma redução dos rendimentos das farmácias de 33% em três anos e uma diminuição crescente do poder de compra dos consumidores, pelo que mais não seria de esperar uma certa apreensão com a recente anunciada implementação de um novo sistema de comparticipação do preço de medicamentos que não tenham os resultados prometidos, o Sinats, a funcionar na dependência do Infarmed, e que comparará em permanência, ao longo de todo o seu ciclo de vida, os benefícios prometidos de medicamentos e dispositivos médicos com os ganhos que efectivamente trazem para os cidadãos. Espera-se de tal sistema total transparência em todo o seu funcionamento pois, estando o nosso país ainda “sufocado” pelas regras orçamentais de dimuinação da despesa, custe o que custar, e sendo o Estado o principal mediador na acessibilidade aos medicamentos, grande será a tentação de esse mesmo Estado decidir sempre a seu favor. *Texto escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico Marta Cerqueira Gonçalves |