Com o objetivo de reduzir a transmissão da doença COVID-19 e de ganhar tempo, para evitar o colapso dos sistemas de saúde, os países têm pedido às suas populações que cumpram um afastamento social, minimizando as interações sociais, e sujeitando-se a isolamento, quando se confirma um diagnóstico positivo ou houve contacto com uma pessoa diagnosticada.1 No entanto, têm-se multiplicado notícias sobre incumprimento das medidas de afastamento social em Portugal, como pessoas que mantiveram contactos sociais ou laborais, mesmo tendo sintomas, circulação para além do definido como necessário pelas medidas de emergência, ajuntamentos e até fugas ao isolamento obrigatório.
No caso das doenças não transmissíveis, o comportamento de cada um de nós, em termos de prevenção ou cuidados de tratamento, tem impacto essencialmente na própria saúde, por exemplo ao deixar de fumar ou tomar adequadamente a medicação. No entanto, no caso das doenças transmissíveis, como a atual pandemia de COVID-19, o comportamento e as decisões tomadas ao nível individual têm um impacto muito importante na comunidade, pelo que se torna essencial perceber as razões para estas falhas e como se pode aumentar a cooperação da população.
As falhas podem acontecer quando existem interesses individuais que são conflituantes com os da comunidade. As medidas de afastamento originam perdas graves no rendimento das empresas e famílias, sem data prevista para a sua recuperação, e os apoios financeiros prometidos pelo governo podem não ser suficientes para compensar a perda de remuneração imediata e a ameaça de perda de emprego. As medidas de afastamento social têm também custos individuais elevados em termos sociais, principalmente se significarem o afastamento da família. As pessoas poderão sofrer pressões externas para manter encontros, apesar destes serem fortemente desaconselhados, o que pode ser particularmente relevante no período da adolescência.
O incumprimento pode resultar ainda de um erro na avaliação do risco de contágio, o que pode dever-se a múltiplos fatores. Um deles é a dificuldade de entendimento do conceito de risco, especialmente se este for apresentado em termos de percentagens ou probabilidades, e na forma como se traduz na representação objetiva de uma ameaça. Outro dos fatores potenciais é a baixa perceção do risco de contágio. Isto porque essa perceção pode ser baseada na informação adquirida pelas redes de contacto mais próximas (número de casos positivos nos grupos sociais envolventes, como os amigos, colegas ou a vizinhança) e não resultar da avaliação da prevalência real da COVID-19. Este fator torna-se especialmente importante, quando sabemos que existem casos positivos que são assintomáticos. Finalmente, a avaliação do risco de contágio atual pode ser subvalorizada se for influenciada pela memória de epidemias ou pandemias anteriores, que se distinguiram por um maior sucesso na minimização de contágio e na mortalidade (quer pelas medidas de saúde pública atempadas, quer pelas características distintivas das próprias doenças).
Perante o reconhecimento de que existem estas falhas no comportamento individual, o grupo “The Behavioural Insights Team”, que estuda economia comportamental, fez algumas sugestões sobre como se pode encorajar um comportamento mais adequado e aumentar a cooperação das populações.2 Segundo os autores, para a gestão de um surto é fundamental a manutenção da confiança. Dado que os profissionais de saúde e cientistas são vistos com bastante confiança, estes podem ser mais eficazes na veiculação da informação mais importante. Assim, a sua colaboração poderia ser mais aproveitada, por exemplo, através de colaboração em algumas das conferências de imprensa. Uma segunda recomendação é que as mensagens devem ser claras e bastante específicas. Perante uma ameaça ao nosso bem-estar, a capacidade de processamento de informação fica mais reduzida, pelo que, é necessário simplificar as instruções e torná-las fáceis de memorizar. Os materiais de divulgação da DGS com as recomendações sobre como espirrar e lavar as mãos são um bom exemplo disso. Finalmente, aumentar a transparência. Relativamente a este último ponto, têm sido reiterados os pedidos de acesso à informação sobre número de testes, casos e óbitos por COVID-19. 3 Nos últimos dias, foi disponibilizado no site da DGS um formulário
para requerer o acesso aos dados de vigilância epidemiológica. Parece que está a ser dado mais um passo para o aumento da transparência. Pois a relutância em disponibilizar informação mais fina à comunidade científica, mesmo que com indicação de que é preliminar ou provisória, pode gerar alguma desconfiança, que pode ser contraprodutiva na gestão da pandemia. 4
Joana Alves
Escola Nacional de Saúde Pública
Universidade Nova de Lisboa
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
Referências:
1 DGS. Manual de Distanciamento Social. Lisboa, DGS: 2020.
2 “Covid-19: how do we encourage the right behaviours during an epidemic?”. The Behavioural Insights Team (2020). Disponível em: https://www.bi.team/blogs/covid-19-how-do-we-encourage-the-right-behaviours-during-an-epidemic/ (consultado a 08/04/2020).
3 “Cientistas escrevem ao Governo a pedir acesso aos dados sobre a covid-19: há aqui um batalhão de soldados que pode ajudar o Estado”. Expresso (2020). Disponível em: https://expresso.pt/coronavirus/2020-04-03-Cientistas-escrevem-ao-Governo-a-pedir-acesso-aos-dados-sobre-a-covid-19-Ha-aqui-um-batalhao-de-soldados-que-pode-ajudar-o-Estado (consultado a 09/04/ 2020).
4 “PS e PSD chumbam divulgação de dados sobre a Covid-19 para estudo da comunidade científica” O Jornal Económico (2020). Disponível em: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/ps-e-psd-chumbam-divulgacao-de-dados-sobre-a-covid-19-a-comunidade-cientifica-573621 (consultado a 09/04/ 2020).