A pandemia provocada pelo Covid-19 tornou evidente a importância que a comunicação pública assume na promoção de comportamentos individuais responsáveis que possam ajudar a conter a disseminação do vírus e a proteger os segmentos mais vulneráveis da população. Trata-se de uma comunicação difícil de gerir, pela diversidade de públicos que necessariamente devem ser atingidos, mas também porque comunicar é muito mais do que transmitir informação, envolvendo a criação de uma relação com os recetores, o que implica gerar empatia, criar interesse pela mensagem e adequar o conteúdo transmitido aos diferentes níveis de literacia e aos interesses dos públicos. Paralelamente, a comunicação em saúde pública, tal como a comunicação em geral, confronta-se hoje com a existência de práticas de consumo de informação assentes num paradigma pull, em que uma parte significativa da população recebe conteúdos que lhes chegam através dos media sociais e das plataformas de mensagens instantâneas, onde circula uma panóplia de informações contraditórias, algumas construídas com base na evidência científica e outras baseadas em dados falsos, teorias da conspiração e promessas de curas milagrosas.
Do ambiente digital…
Longe de ser algo trazido pelo ambiente digital, a desinformação é hoje um desafio maior do que no passado pela velocidade e profundidade (avaliada através do número de partilhas) com que informações falsas circulam sobretudo online. Tal levou, aliás, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a alertar para a outra pandemia que existe atualmente – a “infodemia” da desinformação – que tem a capacidade de gerar comportamentos que podem colocar em causa a saúde dos indivíduos e das comunidades. De entre as informações falsas que circulam na internet destacam-se a que se baseiam em conspirações, nomeadamente as que afirmam que o covid-19 foi fabricado em laboratório, as que dão como certo que a tecnologia 5G está na origem da propagação do novo coronavírus e as que advogam soluções terapêuticas não sustentadas na evidência científica (e.g. hidroxicloroquina usada para a malária e promovida por Donald Trump como prevenindo a covid-19). Estas e muitas outras mensagens disseminadas nos media sociais e nas plataformas de mensagens instantâneas necessitam de ser combatidas, de modo a garantir que a maioria dos cidadãos toma decisões e rege os seus comportamentos com base em evidências científicas e não em informações geradas por grupos que procuram alimentar-se das frustrações e dos medos dos indivíduos.
A pandemia de desinformação que hoje enfrentamos reforça a necessidade de estratégias de longo prazo de comunicação em saúde pública, que permitam criar uma relação entre os cidadãos e os diversos organismos e entidades que estão no terreno, tendo também tornando evidente a necessidade de apostar na literacia mediática e digital de modo a que os cidadãos não sejam, de forma inconsciente, participantes ativos no processo de desinformação. Tal é hoje uma realidade na medida em que tendemos a investir pouco tempo a avaliar a credibilidade da informação que recebemos e das fontes que a produzem. Muitas vezes, esta avaliação apenas é feita já depois de a informação ter sido partilhada, o que faz com que cidadãos bem-intencionados se tornem em agentes de desinformação.
… ao comportamento individual
Para que os cidadãos não se tornem agentes de desinformação, mas sim “agentes de comunicação em saúde pública”, terão de ter capacidades, oportunidades e motivação para agir. Para isso ocorrer, uma comunicação eficaz deve ser “feita à medida” das caraterísticas dos cidadãos, sendo importante conhecer a audiência alvo para quem se está a comunicar – como pensam, sentem e se comportam os cidadãos numa situação e momento? Por exemplo: Como percecionam e avaliam o perigo que representa o novo coronavírus (SARS-CoV-2)? Estão conscientes dos riscos para a saúde associados à doença covid-19? Qual o nível de risco percecionado (probabilidade de ocorrerem consequências negativas, em caso de contágio)? Que exigências identificam na situação (e.g. incerteza sobre a eficácia de certas medidas; perigo de colapso da economia; maior esforço exigido do que numa situação “normal”)? Que recursos percecionam ter para lidar com as exigências (e.g. conhecimentos sobre o vírus/doença; onde encontrar informação sobre recomendações de proteção a implementar)?
É ainda importante compreender que as perceções são dinâmicas, variam com o tempo e com as alterações que vão ocorrendo pelos eventos, provocando mudanças nas caraterísticas da própria situação – na realidade não podemos falar em situação de crise, mas sim em crises, que vão ocorrendo ao longo do tempo, porque numa situação de pandemia, a situação numa determinada semana poderá ser muito diferente de uma situação vivida noutra semana, antes ou depois desta.
Deste modo, é importante não apenas conhecer a audiência para quem se comunica, mas também as perceções desta que se alteram ao longo do tempo. Por exemplo, o facto de num momento os cidadãos percecionarem os riscos para a sua saúde por covid-19 não significa que tal não se altere uns dias depois, podendo esses mesmos cidadãos percecionarem a doença como uma “simples” gripe e que a crise foi “exagerada”. Naturalmente a alteração da perceção, no sentido negativo, tem consequências negativas para a sua própria saúde e de outros, por reduzir a probabilidade de adesão às recomendações das autoridades de saúde.
A investigação e a intervenção realizadas ao nível do comportamento humano em situação de pandemia, mostra que o papel de comunicar neste momento não deve competir apenas às instituições, mas também aos cidadãos. É cada vez mais importante recolher evidências que tornem essa comunicação mais eficaz, para que sejam incrementadas as capacidades, oportunidades e motivações dos cidadãos para adotarem comportamentos seguros de saúde pública.
Em caso de dúvidas sobre a veracidade e a qualidade das informações que lhe chegam, consulte sempre fontes fidedignas, como por exemplo: https://covid19.min-saude.pt/
Nelson Ribeiro (Coordenador Científico) e Rui Gaspar (Coordenador Executivo)
Pós-Graduação em Comunicação em Saúde Pública
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa