Nos primeiros tempos da pandemia da covid-19 abundaram as metáforas da guerra contra o “inimigo invisível”. Até ao momento em que a guerra na Ucrânia tornou, de um dia para o outro, quase invisível a pandemia e os seus efeitos. É certo que com uma taxa de vacinação muito elevada, o anseio principal da grande maioria da população portuguesa era, e tem sido, voltar à vida dita normal, entendida como a vida social e económica anterior à pandemia.
Contudo, apesar dessa vontade, a pandemia não terminou. Continua presente no dia-a-dia. O número diário de novas infeções, mesmo que não tenha destaque ou sequer lugar nas notícias, teima em não baixar. Assim, a covid-19 vai continuar presente, numa pressão sobre os serviços de saúde, bem como irá aumentar o número de pessoas que, tendo contraído covid-19, ao fim de várias semanas passadas sobre a fase aguda da doença apresentam sintomas de mal-estar que não têm uma explicação alternativa a serem sequelas da covid-19. Esta situação, denominada por condição pós-covid-19, foi já reconhecida como um problema de saúde pela Organização Mundial de Saúde. Levou, em Portugal, à produção da Norma 02/2022 da Direção-Geral da Saúde, que coloca nos cuidados de saúde primários o papel central de acompanhar quem tenha esta condição, e dá destaque aos auto-cuidados das pessoas afectadas.
Sendo uma condição nova, há ainda um grande desconhecimento sobre o que será a sua duração, se terá efeitos permanentes e/ou se levará a períodos mais agudos que venham a comprometer a capacidade de trabalhar. A covid-19 deixa também um legado de trabalho para o sistema de saúde e exigências para o apoio social público, bem como desafios para as empresas e entidades empregadores em geral (como tratar estas ausências laborais?).
O seguimento desta condição pós-covid-19 abre novas possibilidades de colaboração entre as farmácias comunitárias e os médicos de família, que terão vantagem em ser exploradas, até pelo foco nos auto-cuidados dos doentes.
O acompanhamento e aconselhamento de pessoas com condição pós-covid-19 poderá ser definido em protocolo conjunto, sendo que o farmacêutico faz um acompanhamento regular e poderá apoiar os doentes nos seus auto-cuidados. Em caso de algum sinal de alerta, remete o doente para o médico de família. Num contexto global de falta de médicos de família e na presença de novas exigências, esta resposta conjunta poderá apresentar vantagens para todas as partes (doentes, farmácias, cuidados de saúde primários). Falta saber qual o efeito sobre a despesa do Serviço Nacional de Saúde, o que poderá ser aprendido através de experiências piloto que sejam lançadas.
Terminando numa nota positiva, a vacinação contra a covid-19 não só protege contra doença grave como, segundo resultados preliminares de estudos em curso, também protege contra a condição pós-covid-19.
Reforça-se, por isso, a importância de manter uma elevada taxa de vacinação contra a covid-19, que de futuro poderá igualmente levar o Serviço Nacional de Saúde a considerar as vantagens de uma colaboração com as farmácias comunitárias como forma de alargar a rede de pontos de vacinação.
Esperemos que a guerra na Ucrânia não faça esquecer por completo este outro “inimigo invisível” que não nos abandonou (ainda).
Pedro Pita Barros
Nova SBE Health Economics and Management, Universidade Nova de Lisboa