Consultas online sem controlo
04-Junho-2014
Há cada vez mais sites em Portugal que oferecem consultas médicas online. A situação está a preocupar as ordens profissionais que alertam para a necessidade de se regulamentar esta nova realidade, que pode ter elevados perigos para saúde dos utentes. Isto por haver o risco de as consultas serem dadas por especialistas ilegais, de não cumprirem as regras éticas e de não haver garantia do sigilo das informações.
Nutricionistas, dietistas e psicólogos são dos que têm mais consultórios online. Mas também há consultas virtuais para psiquiatria, clínica geral e familiar, VIH e sexologia, entre outros.
Entre os nutricionistas, a situação assume particular gravidade. «O assunto preocupa-nos, pois temos muitas denúncias de sites que prestam serviços ilegais, em que os profissionais não estão registados sequer na Ordem», adianta ao “Sol” Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas (ON), acrescentando que tem enviado muitas queixas ao Ministério Público.
«São em número suficiente para nos preocuparem», afirma. Quando os utentes recorrem a consultas na net para emagrecer, sublinha, devem primeiro verificar o registo nacional de nutricionistas, consultável no site da ON e que conta com 2.200 profissionais. «É perigoso não o fazerem», avisa.
Conversas por Skype
Mas a realização de consultas online por nutricionistas legalizados também não é pacífica dentro da ON, admite Alexandra Bento. «Há vozes discordantes que defendem que a primeira consulta deve ser sempre presencial, para observação da pessoa» – revela a responsável, acrescentando que o assunto foi discutido no conselho jurisdicional da Ordem e que em julho será feito um debate interno mais alargado para definir uma posição oficial. «Tem de se clarificar as regras. Neste momento, há apenas o código deontológico».
A maioria das consultas é feita através de Skype e tem um preço mais barato.
Elizabete Machado, de 29 anos, abriu o seu consultório online ‘Nutrição na Web’ há cerca de dois anos. «As pessoas enviam-me por e-mail os dados e, depois de pagarem 30 euros pela primeira consulta e 10 pelas de seguimento, combinamos uma hora para a consulta no Skype», conta ao “Sol”, referindo que há quem desista depois de saber que tem de pagar.
Um dos consultórios virtuais mais concorridos é o ‘Anutricionista’, de Ana Ribeiro. «Abri há quatro anos, quando não havia praticamente consultas online em Portugal», recorda ao “Sol” a nutricionista, acrescentando que neste momento tem 35 doentes virtuais, que atende em horário pós-laboral. Antes da primeira consulta, envia-lhes um protocolo em que os doentes têm de detalhar um conjunto de informações, podendo juntar análises clínicas. «A grande diferença é que não os meço nem os peso, tenho de acreditar no que me dizem», explica Ana Ribeiro, que cobra 30 euros por uma primeira consulta de 50 minutos.
Psicólogos criam comissão
A Ordem dos Psicólogos também está «atenta à situação», adianta ao “Sol” o bastonário. Telmo Mourinho Baptista revela que foi criada uma comissão de especialistas que vai definir um conjunto de recomendações para os 20 mil profissionais inscritos seguirem, caso queiram entrar no negócio na net.
«Há o código deontológico, que é extenso e recente, mas vamos adicionar as recomendações», explica o bastonário, frisando que um dos aspetos mais preocupantes é a garantia do sigilo: «É preciso pensar sobre este assunto».
A psicóloga Cláudia Morais começou por dar consultas a doentes que iam para o estrangeiro e lhe pediam para continuar a acompanhá-los: «Não se sentiam à vontade para ter consultas noutra língua». Hoje, além de um espaço físico, tem um consultório virtual (‘apsicologa’) onde atende 10% das consultas que dá por mês.
A clínica Tágide online, com oito profissionais destacados, está também a especializar-se em consultas via e-mail ou Skype – nas áreas de psicologia, sexologia, VIH e até psiquiatria. Dirigida pelo psiquiatra Cláudio Moraes Sarmento, a clínica promove mesmo psicoterapia de grupo. É feita numa «sala de chat dentro do site, com um terapeuta, num horário a combinar entre todos e num grupo até 10 elementos», lê-se na página do consultório online.
Médicos exigem presença
Segundo dados da clínica – em que muitos dos clientes são portugueses residentes no estrangeiro -, as consultas de psiquiatria requerem sempre antes uma consulta presencial, ao contrário das de psicologia. Aliás, se não for assim, a Ordem dos Médicos (OM) considera que as consultas não cumprem os requisitos.
Segundo adiantou ao “Sol” o presidente do Colégio da Especialidade de Psiquiatria da OM, foi dado um parecer sobre o assunto já este ano. «O Colégio considera que é sempre preciso um conhecimento prévio do doente – definindo o médico o número de consultas presenciais necessárias para isso – antes de se avançar para o contacto por internet ou telefone», clarifica Luís Carlos Gamito, explicando que o parecer surgiu na sequência de um pedido de um colega que queria saber como exercer a profissão na internet.
Muitos dos sites que disponibilizam consultas médicas estão associados à venda de medicamentos. O ‘121doc’, por exemplo, apresenta-se como um local que fornece consultas online «discretas e cómodas» e garante a prescrição de medicamentos por médicos qualificados, para problemas como ejaculação precoce, impotência e obesidade.
«Este assunto será debatido na OM, pois à partida uma consulta pressupõe uma observação física do doente» – alerta o bastonário dos Médicos, José Manuel Silva, lembrando que é preciso analisar caso a caso para ver se há ilegalidades. «E há ainda muitos casos em que se está a usar a palavra “consulta” de forma abusiva, quando na realidade são apenas locais onde se tiram dúvidas».
É este, por exemplo, o serviço prestado pelo site ‘consultasmedicasonline’, em que uma médica de clínica geral se disponibiliza a dar todo o tipo de informações através de um chat (o que custa 88 cêntimos por minuto) ou por e-mail (cerca de 26 euros).