Consumidor rei ou distribuidor rei? 766

Durante muitos anos, a Distribuição foi apenas o sítio onde se tinham de colocar as marcas para que o consumidor as pudesse adquirir. A verdadeira importância residia na Produção. Era aí que se tentava marcar a diferença: produzia-se o que se sabia fazer melhor, em grandes quantidades, com custos reduzidos e rapidamente; mas sem se procurar saber se havia ou não pessoas interessadas nessa produção. A esta fase costuma chamar-se o product oriented.

Com o crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 (considerada a primeira grande crise do capitalismo), resultante de uma saturação do mercado por uma oferta muito superior à procura, duas lições são retiradas: desde que haja uma indústria tem de haver uma grande massa de consumidores (ou então não existe possibilidade de escoamento); e, mais importante, é preciso produzir no sentido de satisfazer as necessidades dos consumidores. É, por isso, que a fase após a crise de 1929 é apelidada consumer oriented, sendo apontada como a data de “nascimento” do Marketing.

No entanto, mesmo nesta fase, a importância dada à Distribuição é muito diminuta. Relembre-se que os fabricantes tinham pela frente um comércio muito disperso e pouco competitivo (segundo os dados da Nielsen, ainda há 40 anos havia mais de 47 mil lojas em Portugal com menos de 50 m2).

A mudança ocorreria com o aparecimento das grandes cadeias de distribuição e a proliferação de marcas com promessas similares. O fim da atomização dos pontos de venda dá força e poder negocial à Distribuição e o aparecimento de oferta excedentária de marcas torna habitual a seleção destas pelas lojas. Ou seja, sendo o espaço da loja finito e havendo um sem número de marcas com promessas consideradas equivalentes, era apenas natural que o distribuidor começasse a rejeitar algumas (em princípio, aquelas que lhes trariam menos ganhos).

A estas alterações, junta-se ainda um trabalho de sedução do comprador por parte do distribuidor (com recurso a promoções e técnicas de merchandising) e o surgimento de um consumidor cada vez mais infiel às marcas, que faz com que sejam crescentes as decisões de compra influenciadas pelo ponto de venda – há estudos que revelam que atualmente cerca de 70% das decisões de compra são tomadas dentro da loja.

Com todas estas mudanças, estão criadas as condições para se chegar ao ponto em que estamos hoje: o poder tende, agora, para o lado do distribuidor.

Na verdade, numa época em que é costume dizer que o consumidor é rei – porque a ele cabe a escolha final da marca a adquirir -, o que se passa muitas vezes é que ele escolhe sim, mas apenas entre aquelas marcas que a loja já escolheu colocar à sua disposição. Faz lembrar aquilo que um ex-ministro dizia sobre as audiências da televisão: «ao contrário do que se diz, as audiências não mostram aquilo de que as pessoas gostam, mostram apenas a reação delas àquilo que lhes é dado».

João Barros,

Professor Convidado na Escola Superior de Comunicação Social e Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa