A pandemia da covid-19 contribuiu para a maior quebra na vacinação infantil em cerca de 30 anos, tendo 25 milhões de crianças ficado desprotegidas contra difteria, tétano e tosse convulsa em 2021, segundo estimativas da ONU hoje divulgadas.
As estimativas foram divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) – agências da ONU – e baseiam-se em dados facultados por 177 países.
As duas agências advertem, em comunicado, que o “retrocesso histórico nas taxas de imunização” acontece em simultâneo com o crescimento das taxas de desnutrição aguda ou severa.
“A convergência de uma crise de fome com uma crescente lacuna de imunização ameaça criar as condições para uma crise de sobrevivência infantil”, alertam, salientando que “uma criança desnutrida já tem imunidade enfraquecida” e as vacinas que não são administradas “podem significar que doenças comuns da infância rapidamente se tornem letais”.
De acordo com a OMS e a Unicef, a percentagem de crianças que recebeu três doses da vacina tríplice contra difteria, tétano e tosse convulsa – “um marcador para a cobertura vacinal nos países” – caiu cinco pontos percentuais, para 81%, entre 2019 e 2021.
Um total de 25 milhões de crianças ficou por vacinar com uma ou mais doses contra estas três doenças em 2021, o equivalente a mais dois milhões face a 2020 e a mais seis milhões comparativamente a 2019.
Moçambique e Myanmar (antiga Birmânia) estão entre os países que registaram os maiores aumentos relativos no número de crianças sem uma única vacina contra difteria, tétano e tosse convulsa entre 2019 e 2021.
Anualmente, a OMS e a Unicef divulgam, com base em dados reportados pelos países, as estimativas de cobertura vacinal. Para 2021 foram fornecidos dados de 177 países.
Segundo as duas organizações, as estimativas “fornecem o maior e o mais abrangente conjunto de dados do mundo sobre tendências de imunização para vacinas contra 13 doenças administradas por sistemas regulares de saúde”.
A pandemia da covid-19, que levou à “suspensão de serviços” e do fornecimento de vacinas, “ao desvio de recursos e a medidas de contenção”, é, a par dos conflitos e da desinformação, um dos fatores apontados que conduziram ao declínio da cobertura vacinal infantil no mundo entre 2019 e 2021.
A covid-19 foi declarada uma pandemia em 11 de março de 2020, tendo o vírus que causa a doença respiratória (SARS-CoV-2) sido detetado em finais de 2019 na China.
De acordo com a OMS e a Unicef, dos 25 milhões de crianças que ficaram por imunizar em 2021 com uma ou mais doses contra difteria, tétano e tosse convulsa, 18 milhões não receberam uma única dose, a maioria oriunda de países de baixos e médios rendimentos, surgindo Índia, Nigéria, Indonésia, Etiópia e Filipinas no topo da lista.
A vacinação contra difteria, tétano e tosse convulsa caiu em todas as regiões do mundo, mas o Leste Asiático e o Pacífico registaram as maiores quebras em dois anos, na ordem dos nove pontos percentuais.
Os dados da OMS e da Unicef revelam também que a imunização de crianças com a primeira dose da vacina do sarampo caiu para 81% no ano passado.
Tal significou que 24,7 milhões de crianças não receberam a primeira dose contra o sarampo em 2021, mais 5,3 milhões face a 2019. Outros 14,7 milhões de menores ficaram sem a segunda dose.
Comparando igualmente com 2019, mais 6,7 milhões de crianças não foram imunizadas em 2021 com a terceira dose da vacina contra a poliomielite e 3,5 milhões de meninas falharam a primeira dose da vacina do papilomavírus humano, que causa o cancro do colo do útero.
A OMS e a Unicef advertem que a cobertura à escala mundial com a primeira dose da vacina contra o papilomavírus humano situa-se nos 15% apesar de as vacinas terem sido licenciadas há mais de 15 anos.
“Este é um alerta vermelho para a saúde infantil. Estamos a testemunhar a maior queda sustentada na imunização infantil numa geração. As consequências serão medidas em vidas”, avisou, citada no comunicado, a diretora-executiva da Unicef, Catherine Russell, assinalando que a covid-19 “não é desculpa” para o “declínio contínuo” da vacinação de crianças.
Segundo Catherine Russell, será necessário “recuperar a imunização” de milhões de menores, caso contrário haverá “mais surtos, mais crianças doentes e maior pressão sobre os sistemas de saúde já sobrecarregados”.
Níveis de cobertura vacinal desadequados resultaram em “surtos evitáveis” de sarampo e poliomielite no último ano, realçam a OMS e a Unicef.
A estratégia de vacinação global promovida pelas duas organizações e outros parceiros, a Agenda de Imunização 2030, definiu como meta alcançar 90% de cobertura para as “principais vacinas que salvam vidas” e reduzir para metade o número de crianças sem as vacinas essenciais.