Crise está a aumentar número de casos de alcoolismo 18-Mar-2014 A crise está a aumentar o número de casos de alcoolismo e a tornar os consumos mais perigosos, sobretudo nas bebidas destiladas e cerveja, alerta o presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia. «Aquilo que verificámos em estudos e padrões de consumo é que tem havido um aumento progressivo do consumo de bebidas destiladas. Mesmo no caso dos jovens, são as bebidas mais consumidas», explica o médico Augusto Pinto, em declarações à “Lusa”, na véspera do Dia Nacional dos Alcoólicos Anónimos. De acordo com o presidente da sociedade, a crise que se vive atualmente no país «pode efetivamente agravar os consumos» e ao mesmo tempo levar «a consumos mais perigosos», acrescentando que a capacidade de desenvolver doenças «é mais grave nas bebidas destiladas», comparando com a ingestão de vinho. «Sendo ambas portadoras de álcool, a quantidade é maior nas destiladas, o que faz prever uma redução do tempo necessário para chegar à doença», alerta Augusto Pinto, avançando que são necessários dez anos de consumo «elevado, habitual, regular e excessivo» para chegar à dependência, mas, caso as bebidas destiladas sejam consumidas regularmente, a dependência surge mais cedo. «Eu diria que a crise pode efetivamente agravar os consumos e pode levar a consumos mais perigosos. As consequências orgânicas e a capacidade de desenvolver doenças é mais grave nas bebidas destiladas do que em alguém que consume vinho ou aguardente. Sendo ambas portadoras de álcool a quantidade é maior nas destiladas», frisa o especialista. Para o médico, a pessoa, normalmente, não se reconhece como doente pelo facto de «beber algumas vezes de forma excessiva e ficar embriagado», situação que «entra dentro de uma normalidade aceite na sociedade», explica. De acordo com Augusto Pinto, o facto de alguém beber com regularidade cria uma situação designada no meio médico como tolerância, ou seja, a pessoa vai aguentando-se cada vez mais tempo sem ficar embriagada. «Fica com a ideia de que aguenta cada vez mais a bebida e que isso é um aspeto positivo e não negativo. Ora quanto maior capacidade de consumo a pessoa tem (…) mais perto está de ser meu cliente, doente», explicou. Augusto Pinto desmistifica ainda o mito de que os doentes alcoólicos andam sempre embriagados, alertando que é precisamente o contrário, graças à tolerância que ganham através do tempo. «Quando começam a reduzir essa capacidade [de enorme tolerância] é sempre um mau prognóstico. Significa que em termos cerebrais e hepáticos as coisas estão piores ou agravadas», revela. De acordo com o especialista, há muito a fazer na área da prevenção e intervenção precoce, embora reconhecendo que a existência de um dia nacional possa chamar a atenção do problema, revela que não tem o mesmo impacto ao nível de doentes com outro tipo de patologias, porque se tratam de doentes com dificuldade em aparecer, na sua maioria anónimos. «Sempre defendemos a existência, para além dos grupos de alcoólicos anónimos, de grupos de alcoólicos tratados, já que todos são importantes porque são ambos de autoajuda. Em algumas pessoas é importante a relação de anonimato, mas outros encaram a doença como outra qualquer e havia a necessidade de que estes estigmas fossem esbatidos na sociedade e que se respeitasse ainda mais os doentes não tratados», salientou. Augusto Pinto lembra ainda a acessibilidade ao álcool existente no nosso país, com uma «cultura muito enraizada em relação à substância» o que dificulta o trabalho de prevenção. «Toda a população considera normal o consumo de bebidas alcoólicas, não perspetivamos nenhuma atividade festiva sem álcool. Em todas as festas há álcool na mesa», lembra. Para Augusto Pinto, parte da solução do problema passa pela «mudança de consciência» e aceitação do doente tratado na sociedade e o aumento das respostas, nomeadamente na capacidade de intervenção de técnicos e médicos especializados no problema.
Falta prevenção e técnicos para tratar problemas de alcoolismo
O presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia mostra-se preocupado com a resposta dada aos doentes alcoólicos, alertando que falta intervir na área da prevenção e na preparação de técnicos para trabalhar nesta área. «As nossas preocupações em termos de Sociedade Portuguesa de Alcoologia, para além do aspeto do tratamento e do reconhecimento do doente, que para nós é fundamental, é a expetativa de que aumente a resposta a estes doentes, estamos preocupados com isso», disse em declarações à “Lusa”, Augusto Pinto, presidente da SPA. Augusto Pinto explicou que inicialmente os doentes alcoólicos eram tratados em centros regionais de alcoologia, locais onde também eram formados técnicos de saúde e educação, «com um papel importante não só no diagnóstico cada vez mais precoce, mas também no apoio e suporte destes doentes ao longo da vida, já que se trata de uma doença crónica». No entanto, segundo Augusto Pinto, quando estes centros passaram a integrar o Instituto da Droga, os serviços passaram a ser «basicamente tratamentos de recuperação, perdendo-se a capacidade de intervenção fora dos serviços». «Neste momento há a perspetiva, muito recente, de os serviços de internamento integrarem os hospitais e os serviços de ambulatório continuarem dentro das administrações regionais de saúde (ARS). Tudo depende de como as coisas vão ser feitas», explicou. Augusto Pinto alerta porém que as mudanças nos últimos anos levaram a que não estejam a ser preparados técnicos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos vocacionados nesta área «muito específica». «É necessário uma tomada de consciência da situação da doença. É difícil no nosso país, onde a acessibilidade [ao álcool] e a permissividade para o consumo é muito grande. Onde toda a população considera normal o consumo de bebidas alcoólicas e, até mesmo o consumo excessivo», alerta. Para o presidente da SPA é difícil perceber que uma pessoa está a sofrer por causa de uma substancia que é utilizada no dia-a-dia e que é usada de «forma genérica em qualquer atividade social». Segundo Augusto Pinto, é necessário igualmente «capacidade de intervenção na área preventiva» para que possa haver redução do consumo de álcool no país, admitindo que é difícil combater a indústria produtora de bebidas alcoólicas, não só portuguesa como a europeia, além de outras instituições e empresas, «que têm muito poder e dificultam algumas atividades importantes na área da prevenção». «Somos um país com uma grande acessibilidade ao álcool, dependemos muito também de algumas estruturas económicas, da produção, comercialização e distribuição de bebidas alcoólicas que têm um peso muito importante na sociedade», frisou. «Associamos o álcool a todas as coisas positivas, mas a verdade é que este traz imensas coisas negativas», alertou. |