Crise obriga idosos portugueses a recorrerem aos Médicos do Mundo 456

Crise obriga idosos portugueses a recorrerem aos Médicos do Mundo
14-Maio-2014

Portugueses com mais de 65 anos recorrem cada vez mais às consultas gratuitas dos Médicos do Mundo por não terem condições financeiras de utilizar o Serviço Nacional de Saúde, disse à “Lusa” uma responsável da organização.

Carla Paiva, diretora geral da ONG em Portugal, explicou à “Lusa” que isso é especialmente evidente, no caso português, entre os maiores de 65 anos, sendo que a maioria dos que vão às consultas são cidadãos nacionais.

«Ao contrário de Espanha, que se debate com a crise desde 2010, nós vivemos esta crise desde 2008. São quase seis anos a viver com a crise do serviço de saúde, especialmente para os imigrantes e para as pessoas com mais carências económicas», disse.

Entre as situações mais complicadas destaca-se a situação das famílias que «antes tinham uma situação financeira tranquila, que perderam os seus empregos e começam a ter problemas de acesso aos cuidados de saúde, especialmente os acessos básicos».

«A situação é ainda pior quando têm crianças. Temos cada vez mais pedidos de casais que até agora tinham condições para aceder ao sistema nacional de saúde, pagar as suas taxas moderadoras», disse.

«E ainda as pessoas acima dos 65 anos. Temos cada vez mais pedidos vindo de idosos com baixas reformas que não têm como pagar a sua medicação. O apoio medicamentoso é uma das nossas vertentes em crescimento», frisou.

Entre os problemas detetados, Carla Paiva destaca a falta de informação, a barreira administrativa e até as dificuldades com a língua de «pessoas que apesar de estarem há muitos anos em Portugal não conhecem o sistema, ou as condições para terem, por exemplo, isenção das taxas moderadoras».

Uma situação idêntica à que se vive noutros países do sul da Europa.

«Temos verificado, nos últimos anos, um aumento significativo de pessoas que não são imigrantes ou irregulares a aproximarem-se dos Médicos do Mundo», disse ontem em Madrid o responsável da organização em Espanha, Álvaro González.

«Entre os mais afetados estão pessoas com doenças crónicas, com dependentes a seu cargo e pessoas com poucos recursos económicos», afirmou à “Lusa”.

Uma realidade que assume ainda maior dimensão na Grécia, por exemplo, onde mais de um quarto de todos os que recorrem às consultas da organização são cidadãos nacionais e não imigrantes.

«Com o nível de desemprego a 27%, com mais de 3 milhões de pessoas sem cobertura sanitária, num universo de 10 milhões, diariamente os Médicos do Mundo recebem nas consultas muitas pessoas que são nacionais e não gregos», explicou à “Lusa” Liana Mailli, presidente dos Médicos do Mundo Grécia.

Dados da organização referem que em todos os seus centros, 25% dos pacientes são gregos e em alguns casos (como o centro em Perama) essa média chega aos 75%.

Igualmente grave é o aumento de ataques racistas e xenófobos: em 2012 em Espanha, por exemplo, só 6% dos imigrantes que iam às consultas dos MdM reportavam um tratamento xenófobo, valor que aumentou para 33% este ano.

No caso espanhol a situação é especialmente complicada para imigrantes que estão «há 10 ou 15 anos em Espanha» que «viveram o boom espanhol, estavam regularizados, co filhos que nasceram aqui, sofreram a crise, perderam o emprego e agora estão excluídos do sistema nacional de saúde», disse González.

Mulheres e crianças vulneráveis são as mais penalizadas pela crise europeia

Mulheres e crianças em situação vulnerável ou desfavorecida sofreram as maiores consequências da crise económica europeia e são alvo da crescente xenofobia de alguns partidos, segundo um relatório da organização Médicos do Mundo.

Essa é uma das conclusões principais de um estudo divulgado pela organização Médicos do Mundo, em Madrid, que ouviu as populações mais vulneráveis de oito países europeus.

O estudo foi realizado pela ONG em oito países europeus – Espanha, França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Suíça, Grécia e Reino Unido – com base nas consultas a quase 17 mil pessoas em 25 cidades.

A análise demonstra que mais de 65% dos pacientes não tinha cobertura médica e cerca de um quarto tinha desistido de procurar assistência médica.

Dois terços das mulheres grávidas não tinha, até chegarem às clínicas da ONG, recebido qualquer atenção pré-natal, sendo que 43% chegou à consulta muito mais tarde do que o recomendado.

Apenas metade das crianças vistas pelas equipas dos Médicos do Mundo tinha sido vacinada contra tétano, hepatite B ou sarampo, com a taxa de vacinação em alguns países a ser de menos de 30% (é de 90% no resto da população).

Cerca de 76% dos pacientes ouvidos diz ter sofrido pelo menos um episódio de violência, e quase 20% dessa violência ocorreu dentro de fronteiras europeias, como explicou Liana Mailli, presidente dos Médicos do Mundo Grécia.

«Queremos lutar contra ideias falsas, destruir as ideias simplistas que continuam a penalizar os imigrantes. Apenas 2 ou 3% dos imigrantes que encontramos imigram por razões de saúde», disse ainda Thierry Brigaud, presidente dos Médicos do Mundo França.

«Este é o paradoxo. Muitos estavam de boa saúde para poder enfrentar o que é um processo de imigração, em muitos casos, muito difícil. E é já no país de acolhimento que a sua situação de saúde se vai degradando, sem assistência», considerou Brigaud.

Álvaro González, presidente do Médicos do Mundo Espanha, destacou, por seu lado, que o estudo demonstra o impacto, especialmente na zona mediterrânea, das medidas de austeridade que, no caso da saúde «levaram a políticas baseadas mais no medo e na intolerância do que numa base empírica».

Para González, os limites no acesso à saúde estão a ser usados como «desculpa para limpar fluxos migratórios», favorecendo «atitudes racistas e xenófobas».

González destacou o aumento das taxas moderadoras e o maior custo de acesso médico, especialmente para os que têm menos recursos ou têm doenças crónicas, entre outras medidas que estão a «impor mais barreiras no acesso à saúde».

«Quanta mais intolerância e injustiça vamos tolerar na nossa sociedade como desculpa pela crise», questionou.

«A exclusão de alguns grupos cria barreiras económicas à saúde e representa um aumento de custos, por atraso no diagnóstico e por pior controlo das doenças crónicas», disse.

Em Espanha, especificamente, González criticou as alterações ao sistema de saúde «tendo sido desmantelada o seu cariz universal» e passando a vinculá-lo apenas com base na situação laboral e «excluindo pessoas em situação administrativa irregular».

«São medidas perigosas e que atentam contra a ética médica. Há múltiplos estudos científicos onde se constatam os efeitos catastróficos destas medidas restritivas em toda a população europeia», disse.

No relatório, os Médicos do Mundo apelam aos governos e instituições europeias para que garantam que os sistemas de saúde «são baseados na solidariedade, justos e abertos», protegendo as populações mais vulneráveis.