Desigualdades no consumo de tabaco: quais as consequências e como intervir? 852

O tabaco lidera as causas evitáveis de morte, sendo responsável pela mortalidade de 6 milhões de pessoas no mundo, 800.000 das quais na Europa e 11.000 em Portugal.1 Apesar dos números serem esmagadores, sabe-se que a prevalência do consumo de tabaco está a decrescer.

No entanto, o consumo de tabaco permanece desigual nas diferentes camadas socioeconómicas da população. O consumo concentra-se nos grupos socioeconómicos mais baixos, que paralelamente detêm menores taxas de cessação.

Estas diferenças são explicadas pelo menor acesso à informação, pela menor compreensão dos riscos que o tabaco apresenta para a sua saúde, por serem menos sensíveis em relação às consequências futuras do hábito de fumar ou pelas piores expectativas em relação ao futuro. Por exemplo, indivíduos que acham que vão ter pior saúde ou viver menos anos sentem que não têm muito a perder, optando por fazer escolhas menos saudáveis no presente, que lhes dão prazer imediato, mesmo que isso acresça o seu risco de doença no futuro.

Quais as consequências desta desigualdade?

Em primeiro lugar, é bastante controverso que duas pessoas que nasçam em classes socioeconómicas diferentes estejam limitadas nas escolhas que possam fazer, e que isso tenha consequências tão diferentes na sua saúde.

Em segundo lugar, a concentração do consumo de tabaco em grupos mais desfavorecidos agrava a carga de doença em pessoas que já por si terão maiores vulnerabilidades de saúde. Assim, a prevalência de doenças relacionadas com tabaco, como doenças respiratórias, cardiovasculares e cancro, será maior nas classes socioeconómicas mais baixas, aumentando assim a pressão sobre os serviços de saúde.

Por fim, em Portugal estima-se que as doenças relacionadas com tabaco originem uma perda de 121.643 Anos de Vida Ajustados pela Incapacidade.2 A desigual distribuição da incapacidade pela sociedade agravará os ciclos de pobreza e privação, uma vez que o absentismo e redução da produtividade se irão refletir nos orçamentos das famílias das classes mais baixas.

Como inverter as desigualdades no consumo de tabaco?

Diversas medidas foram tomadas nos últimos tempos na Europa para reduzir o consumo de tabaco. Mas sabemos que estas medidas têm impacto distinto em classes socioeconómicas diferentes. Por exemplo, a evidência mostra que as políticas de cessação tabágica tiveram um impacto positivo na diminuição da prevalência global, embora acabem por aparentemente ter um efeito nefasto na equidade, uma vez que nem todos conseguem tirar igualmente partido delas.4 Alguns artigos da literatura estudaram estas medidas com o objetivo de encontrar quais as que permitem diminuir o consumo de tabaco sem prejudicar a equidade.

Uma forma de tornar as políticas de cessação tabágica mais equitativas é direcioná-las aos grupos socioeconomicamente mais desfavorecidos, tal como foi feito no Reino Unido com os serviços de cessação direcionados a indivíduos de classes mais baixas.4

A maioria dos estudos parece sustentar que a elasticidade procura-preço é maior nos grupos socioeconómicos mais baixos. Isto significa que as classes socioeconómicas mais baixas respondem mais a alterações de preços e a impostos sobre o tabaco do que as classes mais altas, diminuindo mais o consumo de tabaco com o aumento do preço.3

A eficácia desta medida poderá ser ainda aumentada se conjugada com a introdução de leis que promovam espaços livres de fumo, através de legislação nacional, por exemplo.3 Este tipo de política protege os não fumadores da exposição passiva ao tabaco, e, sendo transversal, diminui as desigualdades na exposição ao tabaco.

Em Portugal, foram recentemente anunciadas medidas para 2015 que têm por objetivo a diminuição do tabagismo e não a inversão das desigualdades. De entre as medidas previstas encontram-se a revisão da lei do tabaco, o apoio à cessação tabágica e o aumento da comparticipação de medicamentos para deixar de fumar. Falta saber qual o impacto que estas medidas terão num país que já apresenta algumas desigualdades.

Os poucos estudos existentes elegem o preço do tabaco como a medida que produz resultados mais consistentes. Pelo que, se recomenda que a revisão da lei do tabaco inclua a fixação de preços superiores nos produtos tabágicos ou o aumento da carga fiscal sobre estes. Sugere-se ainda, que o apoio à cessação e a comparticipação de medicamentos sejam direcionados para pessoas com menores capacidades económicas, por exemplo, criando comparticipações para os escalões de rendimentos inferiores. Assim, as políticas para diminuição da prevalência serão igualmente eficazes nas várias classes socioeconómicas, contribuindo também para a inversão das desigualdades nacionais no uso de tabaco.

Joana Alves

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

Referências bibliográficas:
1.Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease (GBD 2010). (2013). at
2.Borges, M. & Gouveia, M. The burden of disease attributable to smoking in Portugal. Rev Port Pneumol (2009).
3.Brown, T., Platt, S. & Amos, A. Equity impact of population-level interventions and policies to reduce smoking in adults: a systematic review. Drug Alcohol Depend 138, 7–16 (2014).
4.Brown, T., Platt, S. & Amos, A. Equity impact of European individual-level smoking cessation interventions to reduce smoking in adults: a systematic review. Eur J Public Heal. 24, 551–6 (2014).