Despesas diretas em saúde: maiores entre os idosos? 122

Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas fixou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que visam, entre outras dimensões, promover a cobertura universal de saúde (United Nations General Assembly, 2015). A cobertura universal significa que todos os indivíduos conseguem aceder a serviços essenciais de saúde, bem como a medicamentos e vacinas seguros, eficazes e de qualidade, sem ficarem expostos a dificuldades financeiras.

Embora em Portugal o Serviço Nacional de Saúde seja de caráter universal e tendencialmente gratuito (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), existe uma componente de pagamentos de saúde que é assegurada diretamente pelos cidadãos, ou seja, que não é coberta pelo Estado nem por seguros voluntários ou obrigatórios. Quanto mais elevados os pagamentos diretos em saúde, em percentagem do rendimento ou do consumo dos indivíduos, maior tenderá a ser a desproteção financeira da população no acesso a cuidados de saúde. De acordo com dados da OCDE, Portugal é o terceiro país da OCDE em que o peso das despesas diretas em saúde no consumo final das famílias é mais elevado (OCDE, 2023).

Sendo a desproteção financeira relativa a despesas em saúde particularmente elevada em Portugal, e num cenário de envelhecimento da população, importa averiguar se os idosos se encontram mais expostos a despesas diretas em saúde. De facto, dada a maior incidência de doenças em pessoas de mais idade, é expectável que os idosos tenham despesas diretas em saúde relativamente mais elevadas. Os dados do último Inquérito às Despesas das Famílias realizado pelo Instituto Nacional de Estatística em 2015 e 2016 (INE, 2017) permitem estimar as despesas diretas em saúde por grupo etário e testar esta hipótese.

As análises revelam que existe um claro gradiente etário nas despesas diretas em saúde. Com efeito, embora a média nacional de despesas diretas em saúde anuais seja de 445,26€ por indivíduo, pessoas com idade igual ou superior a 55 anos têm despesas diretas em saúde superiores à média nacional e as despesas diretas em saúde aumentam progressivamente com a idade. No grupo etário de pessoas com pelo menos 85 anos, as despesas diretas em saúde atingem, em média, os 880,20€ anuais por indivíduo.

Não só os idosos têm maiores despesas diretas em saúde, em termos absolutos, como estas despesas absorvem uma maior percentagem do seu rendimento líquido. Se, em média, a nível nacional as despesas diretas em saúde absorvem 5,56% do rendimento líquido de um indivíduo, os idosos alocam uma percentagem ainda maior do seu rendimento a despesas diretas em saúde. A situação é particularmente severa para idosos com mais de 70 anos, para os quais as despesas diretas em saúde ultrapassam os 8% do rendimento líquido, atingindo 10,56% no conjunto de pessoas com 85 ou mais anos de idade. A maior desproteção financeira dos idosos para despesas diretas em saúde implica que os idosos são mais vulneráveis a situações de empobrecimento ou risco de empobrecimento na sequência destas despesas.

A definição de soluções que mitiguem a vulnerabilidade financeira dos idosos a despesas diretas em saúde exige que se saiba em que tipo de produtos e serviços de saúde é que os idosos têm mais despesas diretas. As análises indicam que as despesas diretas em saúde, entre os idosos, se devem sobretudo à aquisição de medicamentos, aparelhos e material terapêutico. A segunda categoria mais relevante são os serviços médicos, paramédicos e outros serviços de saúde não hospitalares e por último, com um peso residual nas despesas diretas em saúde dos idosos, surgem os serviços hospitalares.

Assim, espera-se que medidas como a que foi tomada em maio de 2024 (Decreto-Lei n.º 37/2024, de 28 de maio), que definiu a gratuitidade de medicamentos com receita médica para os beneficiários do Complemento Solidário para Idosos, tenham impactos tangíveis no combate à pobreza e na promoção de uma vida digna na velhice. Importa, contudo, analisar imparcialmente o impacto desta medida (e de outras semelhantes) no sentido de garantir que as políticas de saúde respondem às efetivas necessidades da população.

 

Carolina Cunha Santos

Postdoctoral Researcher in Health Economics na Nova School of Business and Economics

 

* As opiniões expressas não refletem necessariamente a visão de qualquer das entidades com que me relaciono.

 Nota:  Para uma análise mais detalhada, consulte o Relatório de Envelhecimento, da autoria de Pedro Pita Barros e Carolina Santos, publicado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social – uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, o BPI, e a Nova SBE.

 

Referências

INE (2017). Inquérito às Despesas das Famílias 2015/2016. INE, I.P., Lisboa.

OECD (2023). Health at a Glance 2023: OECD Indicators. OECD Publishing, Paris.

United Nations General Assembly (2015). Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015.