Deuses ou bestas? 997

«Nenhum homem é uma ilha», dizia John Donne, numa frase que não pode ser esquecida por quem trabalha na Publicidade. É que o Homem é um ser social e, por isso, para o percebermos e podermos comunicar eficazmente com ele necessitamos de integrar na equação os fenómenos de influência social, de que são um exemplo os grupos.

Na verdade, sendo o Homem um ser gregário, a presença de grupos é simplesmente uma obrigatoriedade. Na Psicologia diz-se que existem duas funções que justificam a existência dos grupos.

A primeira chama-se normativa e está ligada à uniformização de valores. Ou seja, o grupo forma-se para assegurar a transmissão de determinados valores, compensando assim os comportamentos conformes e punindo os desconformes. Sendo apontada como base do próprio funcionamento da sociedade, esta pressão em favor da conformidade está presente em qualquer grupo. Aliás, as penalizações até costumam ser especialmente rigorosas em grupos mais marginais. Basta pensar que um empregado que não cumpra as regras da empresa terá uma penalização que, em última análise, pode levar ao seu despedimento (a expulsão do grupo), mas já um membro de um grupo mafioso que não cumpra as regras acaba por ter uma punição que é habitualmente muito mais severa e permanente.

A segunda função chama-se identificação e, como o nome deixa adivinhar, indica que os grupos servem para os indivíduos afirmarem a sua identidade. Dito de outro modo, através da pertença a diversos “nós” afirmamos o nosso “eu”. Apesar de poder parecer algo paradoxal, a verdade é que são os diferentes grupos que nos permitem saber quem somos e até o que desejamos ser. O modo mais fácil de o perceber é ver como nos apresentamos perante um grupo de desconhecidos: dizemos o nosso nome, estado civil, a cidade onde nascemos, onde vivemos, a empresa em que trabalhamos, o clube que apoiamos, etc. Se repararmos, tudo isto que constitui a «nossa apresentação pessoal» não é mais que um desenrolar de grupos. Até o nosso nome contém a presença a um grupo, pois, quando referimos o apelido, estamos a indicar a família a que pertencemos.

Umas vezes conscientemente, outras apenas porque a experiência lhe mostrou que funciona, a Publicidade integra estas duas funções na sua comunicação. Assim, quando voltar a ver aqueles anúncios que, por exemplo, dizem o número de pessoas que já visitou determinada exposição ou comprou certo livro, lembre-se que o que está a ver é uma mensagem que está a usar a função normativa; quase como se lhe dissessem “o grupo está todo a fazer isto, porque não estás tu também?”. Em termos da função identificação, ela é usada sempre que nos passam a mensagem do que usa ou não usa determinado grupo com que nos identificamos ou pretendemos identificar (“os aventureiros usam a marca X”, por exemplo).

Na base de tudo está o facto de não sabermos viver sozinhos. Afinal, como dizia Aristóteles, «aquele que é capaz de viver isolado ou é um Deus ou uma besta, nunca um ser humano».

João Barros,

Professor Convidado na Escola Superior de Comunicação Social e Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa