Na semana em que milhares de crianças regressam à escola, associação de doentes, cuidadores e dermatologistas chamam à atenção para as crianças que todos os dias enfrentam os desafios de viver com Dermatite Atópica.
Maria João Cruz
Médica dermatologista do Centro Hospitalar e Universitário de São João, Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
“Constato todos os dias em consulta o elevadíssimo impacto multidimensional (económico, psicológico e social) que esta doença tem, não só na vida do doente, mas de todo a agregado familiar. Por isso, impõem-se um diagnóstico precoce e um tratamento adequado, que permita o controlo dos sintomas de forma segura e eficaz.
Do ponto de vista da criança, esta dermatose pode impor consequências únicas, profundas, duradouras, irreversíveis, que nem sempre se correlacionam diretamente com a gravidade da doença e que serão tanto mais relevantes quanto mais tempo ela persistir. Destacam-se as alterações de humor (25% desenvolvem sintomas depressivos), da qualidade de sono (84% referem alterações do sono devido ao prurido), o absentismo escolar, os déficits de aprendizagem e a interferência direta na maioria das atividades do quotidiano (como na escolha do desporto ou na escolha do vestuário que melhor esconde as lesões). A estas ainda se acrescentam outras comorbilidades como a asma, a renite alérgica, as alergias alimentares e as infeções, todas com significativo impacto na vida destas crianças.
Do ponto de vista parental, tratar de uma criança com dermatite atópica moderada a grave implica uma enorme disponibilidade de tempo (absentismo laboral), desgaste psicológico e investimento financeiro. Não raramente, os cuidadores experimentam sentimentos de frustração e impotência face à recorrência da dermatose, ansiedade e angústia face ao sofrimento do doente e incerteza quanto ao seu futuro.”
Pedro Mendes Bastos
Médico especialista em Dermatologia e Venereologia, Conselheiro Científico da ADERMAP – Associação Dermatite Atópica Portugal
“Longe vão os tempos em que a Dermatite Atópica era encarada como um problema menor. Hoje sabemos que estamos perante uma doença imunomediada, muito prevalente em crianças, mas transversal a todas as faixas etárias, e que acarreta um potencial devastador de criar oportunidades perdidas. Oportunidades perdidas e trajetórias de vida interrompidas que não têm mais lugar em 2023. Importa sublinhar que neste Dia Mundial da Dermatite Atópica a mensagem é de esperança!”
Joana Camilo
Presidente da ADERMAP – Associação Dermatite Atópica Portugal
“Neste Dia Mundial da Dermatite Atópica unimo-nos para iluminar as consequências invisíveis que esta doença causa às crianças e adolescentes, com impactos nos seus familiares e cuidadores. Para além dos sintomas físicos, a doença não controlada acarreta consequências emocionais. Baixa autoestima, vergonha ou frustração são alguns dos sentimentos que as crianças e jovens podem experienciar, com impactos na sua vida escolar e social. Precisamos de continuar a alertar para a necessidade de uma abordagem holística e multidisciplinar, de acesso aos tratamentos e cuidados mais adequados à criança e jovem com Dermatite Atópica, com valorização dos sintomas físicos, mas também psicológicos muitas vezes escondidos. Só assim estaremos a promover a saúde e o bem-estar das pessoas que vivem com Dermatite Atópica e contribuir para um presente e futuro melhor.”
Mãe de um adolescente com Dermatite Atópica
“Ver o nosso filho a enfrentar uma Dermatite Atópica não controlada pode ser uma jornada muito desafiante, frustrante e angustiante. Só pensamos em como podemos aliviar o seu sofrimento. Felizmente, com acompanhamento médico e de enfermagem especializado, tratamento apropriado e acesso a informação fidedigna e apoio de quem nos rodeia e compreende, conseguimos gerir a Dermatite Atópica e ter um dia-a-dia normal. Hoje conseguimos ter mais esperança no futuro.”
A dermatite atópica (D.A.) é uma doença inflamatória crónica da pele, que resulta da interação de vários fatores genéticos, imunológicos e ambientais, levando a uma disfunção da barreira de pele e à desregulação do sistema imunológico.
Não se trata de uma simples comichão, mas sim de uma comichão intensa e persistente, que resulta invariavelmente em lesões e feridas na pele, que provocam muito desconforto e podem, muitas vezes, resultar em infeções da pele.
10 a 20% das crianças e 1 em cada 10 adultos sofrem de Dermatite Atópica, tornando esta condição numa das doenças dermatológicas mais comuns.
90% dos casos de dermatite atópica surge antes dos 5 anos, com sintomas que podem persistir para o resto da vida.
Os sintomas da doença impactam seriamente as várias dimensões de vida dos doentes e das suas famílias. Muitas pessoas com D.A. sofrem com sintomas adicionais relacionados com a doença, como depressão, ansiedade, isolamento social.
Mais de metade dos doentes com dermatite atópica moderada a grave refere que a sua doença causa mais de 14 noites mal dormidas por mês.
A D.A. é uma doença complexa, com sintomas e comorbidades que vão para além das lesões na pele. 67% dos doentes com D.A. apresentam outras doenças atópicas concomitantes 72% rinite, 37% asma, 31% alergia alimentar.
Estudo epi-care: crianças com D.A. moderada a grave faltam à escola 3 vezes mais do que as com doença ligeira
De acordo com o estudo EPI-CARE (Epidemiology of Children with Atopic Dermatitis reporting on their Experience), com crianças com dermatite atópica entre os 6 meses e os 17 anos, as visitas às urgências que exigiram hospitalização nos 12 meses anteriores ao estudo foram de 2,9 % nas pessoas com D.A. ligeira, 9,2 % nas pessoas com D.A. moderada e 20,5 % nas pessoas com doença grave.
As faltas à escola foram cerca de três vezes mais elevadas nas pessoas com D.A. moderada ou grave do que nas pessoas com D.A. ligeira.
A qualidade de vida foi pior para todos os doentes com doença mais grave, mas nas crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos foi particularmente pior, de acordo com o estudo.
Em todos os grupos etários, as pessoas com maior gravidade da doença apresentavam maior gravidade dos sintomas, número de crises e comorbilidades, sendo as mais comuns a febre dos fenos, a rinite alérgica, a asma e as alergias sazonais.