Nunca as taxas de obesidade atingiram níveis tão elevados. Igualmente, o número de indivíduos diagnosticados com diabetes e hipertensão atingiu máximos históricos a nível global. Este tipo de condições derivam largamente da adoção de estilos de vida sedentários e de uma alimentação pouco saudável. Existem portanto dois factores chave determinantes desta evolução: dieta e exercício físico. Este artigo foca-se no primeiro desses aspectos.
Um estudo recente [1] procura avaliar se os indivíduos melhoram a sua dieta após serem diagnosticados com diabetes, hipertensão ou obesidade. A conclusão geral do estudo é que que os indivíduos raramente melhoram a sua alimentação após o diagnóstico de uma condição médica relacionada com a dieta. Esta conclusão aplica-se a agregados familiares de todos os estratos socioeconómicos. Mas porque não existe uma alteração na dieta face ao diagnóstico de condições que derivam precisamente da alimentação? O processo de alteração sustentada da dieta não parece, à partida, complicado. Há, contudo, inúmeras formas que podem facilmente fazer com que não seja bem sucedido.
Um factor à partida importante seria a existência de uma oportunidade que torne mais saliente a necessidade de proceder a alterações na dieta. Por outras palavras uma oportunidade para acordarmos da azáfama diária e prestarmos atenção ao que comemos. Tal oportunidade é-nos precisamente dada aquando do diagnóstico de uma doença relacionada com o estilo de vida, como sendo a diabetes, hipertensão ou obesidade. No entanto, os resultados do estudo mostram que os indivíduos não aproveitam essa oportunidade para repensar as suas escolhas alimentares. Um outro estudo, com dados italianos, sugere, contudo, que os agregados familiares com condições socioeconómicas mais favoráveis diminuíram de forma permanente a despesa com carnes vermelhas e carnes processadas após a Organização Mundial de Saúde ter alertado, em Outubro de 2015, para o potencial cancerígeno destes produtos. Agregados familiares mais desfavorecidos, pelo contrário, não exibem uma redução permanente na despesa com carnes vermelhas ou carnes processadas [2].
Outro factor potencialmente relevante é o tempo que cada um de nós tem disponível. Um dia tem apenas 24 horas. São 24 horas em que estamos (quase) permanentemente ocupados e o custo de nos “desocuparmos” pode ser um prazo por cumprir ou a perda de um cliente. Simultaneamente, temos hoje em dia acesso a uma miríade de opções alimentares ditas de conveniência. Esta categoria inclui refeições pré-feitas, congeladas, opções de take-away, ou a recentemente chegada a Portugal, Uber Eats. O todos estes produtos e serviços têm em comum é o facto de nos pouparem tempo. Mas se a falta de tempo para comprar ingredientes frescos e preparar refeições saudáveis fosse o motivo para a fraca qualidade da dieta, então alterações na situação perante o mercado de trabalho, como sendo a entrada na reforma, motivariam melhorias na dieta. Este mecanismo é analisado pelos autores do primeiro estudo acima citado e as melhorias na alimentação aquando da entrada da reforma são de pequena magnitude. Portanto o tempo disponível também não é o factor chave.
Outras potenciais explicações para a inexistência de alterações na dieta dos indivíduos, e que não são abordadas pelos estudos acima mencionados, estão relacionadas, por exemplo, com a criação de hábitos alimentares ao longo da vida. Ao longo de muitos anos criamos hábitos, definimos aquilo de que gostamos e de que não gostamos, somos influenciados por campanhas publicitárias e moldados por aspectos culturais e sociais. Viciamos o organismo em produtos processados, ricos em gorduras e colesterol, com sal e açúcar adicionado, bebidas energéticas, entre outros. Habituamo-nos ao comodismo de comprar uma refeição pré-cozinhada ou pedir take-away no restaurante mais próximo, ao invés de cozinharmos a nossa própria refeição. E embora possamos pensar que temos tudo sob controlo, experienciamos a realidade pura e dura quando tentamos quebrar alguns dos hábitos menos saudáveis: não somos capazes. Custa romper com hábitos formados ao longo dos anos. E custa mais quando os potenciais benefícios de uma alteração alimentar só ocorrerem no médio ou longo prazo, sendo condicionais a uma alteração sustentável da dieta.
Finalmente, importa mencionar que a realização de alterações bem sucedidas ao nível da dieta implica 1. que os indivíduos estejam bem informados e saibam que alterações fazer, e 2. que saibam interpretar a informação nutricional dos alimentos. Não é de todo claro que assim seja. E, também aqui, as campanhas publicitárias são relevantes, na medida em que têm a capacidade de distorcer aquilo que é tido como saudável. As versões denominadas light, baixas em gordura, com teor de sal reduzido de produtos processados são igualmente produtos processados, frequentemente com características nutricionais não muito diferentes do produto original.
A necessidade de alteração de comportamentos alimentares é imensa. O processo pode não ser de simples implementação, mas os ganhos em termos de saúde podem ser substanciais. E a melhor altura para o fazer era ontem.
Referências:
1- Stefan Hut, Emily Oster. Changes in Household Diet: Determinants and Predictability. NBER Working Paper No. 24892. August 2018.
2- Francesco Principe, Vincenzo Carrieri. WHO and for how long? An empirical analysis of the consumers’ response to red meat warning. WP 18/08 HEDG, University of York.
Ana Moura,
Tilburg University