DiGA, por favor! 1018

As aplicações digitais de saúde mental (os leitores poderão estar familiarizados com a Headspace ou a Calm, por exemplo) são uma síntese de promessas e perigos próprios da era digital. Por um lado, encerram em si o potencial de massificar o acesso aos cuidados de saúde mental na palma da mão e de forma conveniente. Por outro lado, poucas destas apps têm validação técnica e/ou clínica suficientes para justificar a sua adoção sem preocupações de qualidade, segurança e eficácia.

A tensão entre estas duas forças – o complementar de uma grande necessidade de acesso a cuidados de saúde mental, que permanece uma das principais preocupações de saúde dos europeus de acordo com várias sondagens, a par da necessidade de validação destas ferramentas digitais – levou-me a estudar estes aspetos no meu projeto de doutoramento, que o leitor poderá consultar livremente[1]. Essencialmente, pretendo determinar quais as atitudes e perceções, do lado da procura (indivíduos) e da oferta (profissionais de saúde mental), para aplicações digitais de saúde mental em Portugal.

Fiquei surpreendido quando descobri que os alemães tinham sido os pioneiros europeus na definição de processos de avaliação de custo-efetividade e pagamento deste tipo de ferramentas, dado o baixo grau de maturidade digital do seu sistema de saúde. O processo que efetua esta avaliação e decide o seu reembolso denomina-se DiGA (“Digitale Gesundheitsanwendungen”, ou, em português, aplicações digitais de saúde)[2].

O seu objetivo é regular a entrada no mercado e validação para reembolso pelos seguros das aplicações digitais de saúde, dado que a saúde na Alemanha é principalmente financiada via seguro obrigatório, enquanto o SNS português é financiado pela taxação geral. Pretende-se assim dinamizar a adoção de tecnologias que funcionem como assistentes digitais do paciente ou do paciente e do médico em conjunto. O leque de benefícios vai desde um maior acesso a cuidados de saúde até à privacidade e confidencialidade, passando por uma melhor adesão à terapêutica ou um melhor acompanhamento do paciente.

Os dados sobre o potencial de adesão são interessantes: no estudo[3] que estou a tentar replicar em Portugal (embora para o caso específico dos profissionais de saúde mental), 62,1% dos profissionais de saúde viam as DiGA como sendo (muito) positivas, enquanto 22,6% as viam de forma (muito) negativa e 15,3% não tinham opinião. Os dados ficam ainda mais aliciantes quando olhamos para as intenções de prescrição: menos de 10% dos profissionais sondados neste estudo tinham prescrito DiGA e 30,3% planeavam prescrevê-las nos próximos 12 meses, enquanto 49,8% não planeavam fazê-lo de todo. Existem variações relevantes entre especialidades médicas, encontrando-se a psiquiatria próxima do meio da tabela de intenções de prescrição.

A seguir à Alemanha, a Bélgica e a FDA norte-americana aparecem como sendo os países que maior desenvolvimento regulatório têm sobre este assunto. A França deverá, até final do ano, apresentar um programa que, ao que tudo indica, mimetizará o alemão. Mas de nada nos serve criar processos regulatórios se não soubermos em que grau uma intervenção em saúde – seja ela uma app, uma vacina, ou um medicamento – é desejada por quem a procurará e por quem mediará o seu consumo.

Este não é um assunto fácil e este não pretende ser um artigo de autopromoção. Pretende, antes, consciencializar os leitores para a existência destas ferramentas e o atual panorama regulatório. Acima de tudo, pretende chamar a atenção de todos os stakeholders e para a necessidade de entender bem as suas atitudes e perceções antes de tomar qualquer passo. Porque não há boa saúde sem cocriação e, até sabermos isto, duvido que a resposta à pergunta “Como pretende ser tratado?” seja “DiGA, por favor!”.

Diogo Nogueira Leite
Economista da Saúde e doutorando em Ciência de Dados de Saúde

Nota: Este artigo reflete somente a perspetiva do autor e só a ele o vincula, não refletindo necessariamente as visões de quaisquer instituições com as quais colabore.

[1] https://youtu.be/TzN1EjQTkgQ

[2] Mais informação disponível em: https://www.bfarm.de/EN/Medical-devices/Tasks/DiGA-and-DiPA/Digital-Health-Applications

[3] https://mhealth.jmir.org/2021/11/e33012