Diretor do programa de controlo de infeções quer adequada prescrição de antibióticos 860

O consumo de antibióticos nos hospitais cresceu com a covid-19 e não reverteu após a pandemia, disse esta quinta-feira (23) o diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA), aconselhando uma prescrição mais adequada.

“Em Portugal, o consumo de antibióticos comprado em Farmácia Comunitária desceu muito durante a covid-19. Estivemos confinados, andávamos protegidos, tivemos menos infeções, andávamos de máscara. No fim da pandemia o consumo subiu, mas subiu para um valor inferior a 2019. Mas nos hospitais há um aumento crescente que não reverteu desde o final da pandemia, e muitos antibióticos são de largo espetro, muito potentes. O receio é que a resistência das bactérias em meio hospitalar aumente”, disse José Artur Paiva.

Em entrevista à agência Lusa, no âmbito da Semana Mundial de Conscientização sobre Antibióticos, o diretor nacional do PPCIRA fez um alerta sobre a necessidade de sensibilizar os médicos para uma prescrição mais adequada dos antibióticos.

“Mais do que sensibilizar, é importante ativar os médicos, formar, capacitar, dar ferramentas para que decidam melhor, escolham melhor, prescrevam melhor”, sublinhou José Artur Paiva.

Salvaguardando que este não é um problema exclusivo de Portugal e que o “compromisso deve ser mundial”, porque “o aumento da resistência das bactérias aos antibióticos está a acontecer à escala mundial”, o médico apontou que “quanto mais consumo de antibióticos tenha uma sociedade, mais resistência tem essa sociedade”.

“Sabemos que há uma correlação direta entre países que têm maior consumo de antibióticos e países que têm mais carga de bactérias resistentes a antibióticos”, resumiu.

À Lusa, José Artur Paiva, para quem “o antibiótico foi talvez o maior contribuinte para o aumento da esperança média de vida”, defendeu que o uso atual que está a ser dado a este tipo de medicamento pode torná-lo ineficaz, algo que seria “um total retrocesso”.

“Estamos a desenhar um caminho em que as bactérias estão resistentes e os antibióticos são ineficazes. Arriscamo-nos a que a esperança média de vida comece a diminuir”, referiu.

Em resumo, o diretor do PPCIRA considerou que “temos de usar antibióticos apenas quando são necessários e com a duração necessária”, alertando que o compromisso das administrações hospitalares nesta filosofia “é muito importante”.

José Artur Paiva recordou que o controlo de infeção é muito importante em meio hospitalar por causa da transmissão, uma vez que se aparecer uma bactéria num doente e ele passar para um doente que está na mesma enfermaria, estando em causa pessoas fragilizadas, podem acontecer consequências.

“À escala mundial estamos a apostar em melhorar as práticas de controlo da infeção para prevenir a transmissão das bactérias. Portugal também tem de o fazer. E já o faz”, disse José Artur Paiva.

Dando como exemplo as práticas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, onde é diretor do Serviço de Medicina Intensiva, José Artur Paiva contou que, na admissão de doentes com determinados fatores de risco, são feitos testes de rastreio que têm diagnóstico muito rápido para determinar se este é portador de bactérias resistentes e, mediante o resultado, o doente é encaminhado a uma área específica, na qual os profissionais o tratam com equipamento de isolamento.

“Não é preciso fechar o doente à chave em isolamento, é preciso é que o contacto seja controlado. O objetivo é prevenir o aparecimento de surtos”, concluiu o médico do CHUSJ que participa, com outras cinco instituições europeias, no projeto Drive-AMS, que visa capacitar médicos para uma prescrição mais adequada.

Considerado o primeiro antibiótico do mundo, a penicilina foi descoberta pelo bacteriologista escocês Alexander Fleming, em 1928, e começou a ser produzida em 1930.

Por essa altura, num mundo sem antibióticos, a esperança média de vida à nascença do português era 40 anos. Atualmente é 80 anos.