
O enquadramento legal da atividade de distribuição farmacêutica de medicamentos de uso humano tem previsto que o exercício possa ser desenvolvido em duas vertentes, a de distribuidor no mercado nacional e a de operador logístico. Esta diferenciação, introduzida em 2019 no Estatuto do Medicamento pelo Decreto-Lei n.º 112/2019, de 16 de agosto, apesar de clarificadora de duas das áreas de desenvolvimento da atividade de distribuição, não explora na sua total dimensão as diferenças existentes entre os diversos operadores detentores de uma licença.
Dependendo do posicionamento que assumem no circuito do medicamento, da abrangência geográfica que servem, da diversidade do seu portfólio, assim como da natureza dos seus clientes, podem ser distintos os requisitos legais aplicáveis e, em última análise, os desafios que se colocam aos distribuidores.
De facto, analisando aquela que é a atividade dos distribuidores de serviço completo à luz dos critérios mencionados, torna-se evidente o seu elevado nível de diferenciação, trazendo consigo inúmeros desafios a nível regulamentar, que implicam infraestruturas e tecnologias diferenciadas, altos custos operacionais, bem como de um investimento permanente na manutenção da conformidade das operações desenvolvidas.
A abrangência geográfica tem uma implicação direta nos meios que têm de estar disponíveis para que os medicamentos e outros produtos de saúde cheguem até aos locais onde são necessários. Estendendo-se a responsabilidade da distribuição até ao momento em que os medicamentos são colocados à disposição dos seus clientes, é importante destacar a relevância da atividade de transporte, profundamente explorada em termos de requisitos legais nas Boas Práticas de Distribuição, a qual deve representar uma extensão do nível de qualidade existente nos armazéns. Deste modo, há uma relação direta entre o nível de investimento necessário para assegurar a existência de uma frota dotada de sistemas de climatização, necessários para garantir que as condições de temperatura se mantêm dentro dos limites definidos pelos fabricantes dos medicamentos, equipada com sistemas de georreferenciação, que permitam a rastreabilidade e segurança no processo de transporte, e a cobertura geográfica assegurada pelos distribuidores.
Os distribuidores têm obrigações de serviço público, sendo responsáveis por garantir que os medicamentos, bens essenciais, estejam disponíveis nas farmácias, hospitais e outras entidades do setor da saúde. Naturalmente, quanto mais diversificado for o seu portfólio, que, no caso dos distribuidores de serviço completo, atinge os largos milhares de medicamentos, mais acentuados são os desafios que se colocam em assegurar que esse número de referências é adequadamente e atempadamente aprovisionado, de modo a assegurar o pronto abastecimento do mercado que servem. Importa a este respeito destacar também o impacto que esta diversidade de portfólio traz ao nível da qualificação de avaliação dos fornecedores, requisitos regulamentares decorrentes das Boas Práticas de Distribuição.
A complexidade introduzida pela diversidade do portfólio é ampliada quando o alargamos a outras áreas para além do medicamento. Também aqui os distribuidores de serviço completo se destacam de outros distribuidores, já que incluem nos seus armazéns não apenas medicamentos de uso humano, como também medicamentos veterinários, dispositivos médicos, produtos cosméticos e de higiene corporal, géneros alimentícios, entre outros, que acarretam a necessidade de atender a requisitos legais adicionais, em alguns casos até necessidades de licenciamentos adicionais, como também de interagir com diversas entidades reguladoras. Esta diversidade amplia ainda as tarefas regulamentares, designadamente de registo e reporte regular.
A natureza dos clientes abastecidos pelo distribuidor traz consigo fatores determinantes na estruturação da sua atividade. É publicamente reconhecido o elevado nível de serviço prestado pelas farmácias à população, o qual é, em larga medida, viabilizado pelo nível de serviço prestado pelos distribuidores de serviço completo, que asseguram o seu abastecimento com múltiplos fornecimentos diários e reduzidos prazos de entrega. Sendo maioritariamente as farmácias os clientes dos distribuidores de serviço completo, o abastecimento destes locais acarreta a necessidade de níveis elevados de eficiência e eficácia das suas operações, de forma a assegurar o abastecimento nos prazos legalmente previstos, tornando possível a disponibilidade dos medicamentos às populações.
Os distribuidores de serviço completo asseguram o fornecimento de um portfólio amplo de medicamentos e outros produtos de saúde, garantem a entrega contínua e programada destes produtos, possibilitando à população o acesso a medicamentos essenciais em tempo útil, cumprindo elevados padrões de qualidade. Armazenam e transportam os produtos, em conformidade com as Boas Práticas de Distribuição, garantindo a sua rastreabilidade. Em complemento, são ainda implementados processos de gestão rigorosa de stocks para evitar ruturas e garantido o cumprimento dos requisitos legais de proteção contra a falsificação dos medicamentos, impedindo que estes possam ser disponibilizados aos doentes.
O seu posicionamento privilegiado no circuito do medicamento e dos produtos de saúde, bem como o nível de qualidade e eficiência com que operam, tornam estes distribuidores parceiros essenciais na implementação de programas de intervenção comunitária, tais como a campanha de vacinação sazonal em farmácias comunitárias e a dispensa em proximidade de medicamentos hospitalares.
O nível de especialização e o contexto em que exercem a sua atividade tornam os distribuidores de serviço completo operadores altamente diferenciados. Esta diferenciação, assente em exigentes requisitos de qualidade, passível de ser constatada nas diversas vertentes, torna imperativa a sua diferenciação legal, permitindo desse modo um enquadramento regulamentar específico nos diversos dossiers legislativos, alinhado com a sua natureza particular.
Susana Quelhas
Diretora Técnica e de Qualidade da Cooprofar