No Dia Mundial da Adesão, que se comemora, hoje, dia 27 de março, dados do inquérito ‘Adesão à Terapêutica, barreiras, consequências e soluções – a Visão dos Portugueses’ confirmam que embora 58,8% dos doentes crónicos cumpram as recomendações médicas, cerca de um quarto (24,8%) admite esquecer-se frequentemente da medicação, enquanto 16,4% acabaram por não a tomar. Uma realidade preocupante, que coloca muitos doentes em risco de desenvolver complicações.
Ao NETFARMA, Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF), explica que “os farmacêuticos comunitários, enquanto parte de uma equipa multidisciplinar, desempenham, já hoje, um papel de crucial importância na promoção da adesão à terapêutica. Através da prestação de diferentes serviços, apoiam as pessoas na gestão da sua medicação, fornecem informações claras sobre como e quando tomar os medicamentos e/ou usar os dispositivos associados, esclarecem dúvidas e ajudam a identificar e a superar dificuldades, como efeitos colaterais e adversos ou interações e duplicações medicamentosas”.
Contudo, para a dirigente “é preciso fazer notar que o potencial do seu contributo nesta matéria está ainda muito subaproveitado, em grande medida pela falta de políticas que possibilitem um acompanhamento ainda mais estreito das pessoas e uma intervenção mais direta sobre muitos dos fatores conhecidos por colaborarem para o não cumprimento das terapêuticas prescritas“.
Neste sentido, Ema Paulino argumenta que “a rede portuguesa de farmácias disponibiliza, efetivamente, condições privilegiadas para uma resposta mais cabal nesta e noutras matérias”. Isto porque “a sua distribuição capilar permite o acesso, mesmo às populações dos locais mais remotos e isolados, a profissionais de saúde de elevada capacitação técnico-científica; profissionais que prestam um serviço de aconselhamento terapêutico de modo próximo, disponível, continuado e pedagógico, e no qual as pessoas confiam”.
A proximidade e o acompanhamento das equipas das farmácias revestem-se “de importância ainda maior se tivermos em consideração que a compreensão dos tratamentos e uma boa relação com o profissional de saúde, assente numa comunicação ativa e efetiva, e na confiança, são dois dos principais motores da adesão às terapêuticas”, conclui a presidente da ANF.
A promoção da adesão terapêutica é, assim, “uma atividade core das farmácias, pelo que surge inscrita na quase totalidade das iniciativas desenvolvidas, e que podem ser tão variadas como a implementação de programas de acompanhamento farmacoterapêutico, serviços de revisão da medicação, ou a participação em campanhas de sensibilização sobre a importância da adesão – como é o caso da celebração deste primeiro Dia Mundial da Adesão, uma iniciativa da World Heart Federation, em parceria com diversas organizações de saúde internacionais e nacionais, às quais a ANF e as farmácias se associam”.
Ema Paulino destaca alguns casos específicos.
PIM
A Preparação Individualizada de Medicação (PIM) “tem por objetivo auxiliar as pessoas na correta administração dos seus medicamentos e promover uma maior adesão à terapêutica, facilitando o cumprimento da posologia instituída”, refere Ema Paulino, acrescentando que “se destina, por exemplo, a pessoas polimedicadas, pessoas a fazer regimes terapêuticos complexos ou que tenham tendência para se esquecer das tomas”.
Por representar uma estratégia com “óbvia efetividade, em especial junto da população mais idosa e com múltiplas patologias, este é um dos serviços que tem despertado maior interesse por parte das autarquias com políticas instituídas de apoio social a estas faixas etárias”, revela a dirigente da ANF.
Renovação da terapêutica crónica
Há outras iniciativas que devem ser consideradas como tendo um contributo importante nesta matéria. “É o caso da renovação da terapêutica crónica nas farmácias comunitárias”.
Neste caso, de acordo com Ema Paulino, “não dispomos ainda de dados concretos acerca do impacto da prestação deste serviço nas farmácias, mas um dos motivos pelo qual ele foi implementado há cerca de um ano foi precisamente o conhecimento da não adesão de cerca de 50% das pessoas que vivem com doença crónica às terapêuticas prescritas, sendo uma das causas a falta de acesso a uma receita médica em tempo útil”.
Além de prever a prescrição de medicação para um ano no caso das pessoas com doença controlada, “colmatando, desde logo, aquele que era um dos principais motivos de deslocação das pessoas com doença, ou dos seus cuidadores, às unidades de cuidados de saúde primários em Portugal, e que era também, recordamos, um dos fatores de não adesão às terapêuticas, este projeto promove um acompanhamento mais próximo das pessoas e da sua condição pelo farmacêutico comunitário, que funciona como um zelador do cumprimento das terapêuticas e promotor dos seus bons resultados“.
Para Ema Paulino, a implementação desta medida “foi um primeiro passo muito positivo em termos de ganhos de eficiência para o SNS e para as pessoas que vivem com doença”. Contudo, está “muito aquém do enorme potencial no que se refere a ganhos em saúde das populações”. O modo como o farmacêutico comunitário tem hoje acesso à informação “não facilita a que se faça um acompanhamento efetivo das pessoas, e a interação com os médicos é muito limitada, sendo que os mesmos não estão particularmente informados ou sensibilizados para a consulta da informação enviada pelo farmacêutico”, revela a presidente, acrescentando que, em suma, “há ainda um longo caminho a ser percorrido para que se possam retirar desta medida todos os aspetos positivos que encerra, nomeadamente ao nível da adesão às terapêuticas”.
Acesso e partilha de dados em saúde…
Por parte dos farmacêuticos comunitários é “uma das grandes condicionantes a que se consigam obter melhores resultados de adesão, já que facilitaria o acesso à informação dos utentes, fundamental para um acompanhamento e gestão farmacoterapêutica mais correta, assim como a partilha e discussão de informações com os diferentes profissionais que compõem a equipa de saúde das pessoas, possibilitando ações mais lestas e promotoras de maior eficácia, logo maior adesão”.
Assim sendo, Ema Paulino defende que “é preciso estimular esta cultura de abordagem colaborativa entre todos os profissionais de saúde, através das tecnologias”.
Escassez de medicamentos
Outro dos temas para o qual a ANF tem vindo a alertar, e que é “apontado como sendo uma das causas mais penalizadoras da adesão terapêutica, é a escassez de medicamentos, fenómeno mundial com reflexos também no nosso mercado”.
Recentemente, a lei passou a permitir que os profissionais das farmácias dispensem uma dose, formulação ou um tamanho da embalagem do medicamento prescrito diferentes em caso de indisponibilidade. “É uma primeira medida no sentido de revisitar as limitações legais e regulamentares que obstam à consolidação das competências dos farmacêuticos comunitários na resposta às necessidades das pessoas”, sublinha Ema Paulino, acrescentando que “é preciso agora avançar no sentido de permitir a substituição terapêutica por um princípio farmacológico similar, em contexto devidamente protocolado e articulado com os médicos assistentes, à semelhança, aliás, do que já acontece noutros países europeus”.