Ébola: ONU alerta que infeções aumentam diariamente e podem chegar a mais países 03 de setembro de 2014 O coordenador das Nações Unidas para o ébola, David Nabarro, alertou ontem que o número de infeções «cresce todos os dias mais depressa» e há que contar com a possibilidade de aparecerem «mais casos em mais países».
Nabarro reuniu-se ontem com representantes dos Estados-membros da organização e com a diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, e o secretário-geral adjunto da ONU, Jan Eliasson.
Após a deslocação à África Ocidental, foco principal do surto, o coordenador para a febre do ébola da ONU afirmou que «os passos seguintes são muito difíceis de prever» e que é necessária uma «coordenação mundial vital» para controlar a epidemia.
«Não podemos aceitar a ideia de que perdemos a batalha contra o ébola. Temos de reagir de maneira forte, porque a doença está a avançar mais depressa que os nossos esforços», acrescentou, referindo que na última semana o número de infetados na Guiné, Serra Leoa e Libéria superou os 3.500 e que já se registaram mais de 1.500 vítimas mortais.
Para o responsável, «os cuidados básicos de saúde nos países afetados têm de manter-se» e há que garantir material e salários ao pessoal que trabalha no controlo da doença, além de assegurar tratamento em caso de ser infetado pelos pacientes.
Nabarro reiterou a necessidade de as linhas áreas internacionais restabelecerem os seus voos para os países afetados para facilitar o trabalho de socorro.
Para a diretora-geral da OMS, todos os envolvidos nesta epidemia do ébola, que começou em março, «subestimaram a extensão, magnitude e complexidade daquele que é o maior surto na história da doença», cujo vírus foi descoberto em 1976 na República Democrática do Congo.
Margaret Chan deu o exemplo de casos que representam falhanços no controlo da doença: um infetado da Libéria que viajou num avião para a Nigéria, e um infetado guineense que chegou de carro ao território senegalês.
«Tem de ficar claro que uma pessoa que está infetada não pode viajar», declarou, citada pela “Lusa”.
A organização pede que seja acelerado o processo para descobrir uma vacina: «Há duas ou três vacinas potenciais e é importante que a comunidade científica una as suas forças nesta situação sem precedentes. Temos de acelerar os testes experimentais e utilizá-los de uma forma eticamente aceitável antes que passem a ser produzidos de forma industrial».
Apesar de tudo, a responsável da OMS recusou cair no alarmismo.
«A situação será controlada. Sabemos do que precisamos e sabemos como fazê-lo», assegurou.
Médicos sem Fronteiras: Mundo está a «perder batalha» contra epidemia
A presidente da organização humanitária internacional Médicos sem Fronteiras (MSF), Jeanne Liu, afirmou ontem que o mundo está a «perder a batalha» contra a epidemia do vírus Ébola, que continua a progredir na África Ocidental.
«Em seis meses da pior epidemia de Ébola da história, o mundo está a perder a batalha. Os líderes não estão a conseguir travar esta ameaça transnacional», disse Jeanne Liu, durante um discurso proferido nas Nações Unidas, em Nova Iorque, segundo um comunicado da organização humanitária.
«O anúncio [da Organização Mundial de Saúde – OMS] a «8 de agosto de que a epidemia constituía uma “emergência de saúde pública de preocupação internacional” não levou a uma ação decisiva e os Estados uniram-se essencialmente numa coligação global de inatividade», criticou a representante.
No mesmo discurso, Jeanne Liu pediu à comunidade internacional para financiar a instalação de mais camas para uma rede regional de hospitais de campanha, o envio de pessoal médico qualificado e a distribuição de laboratórios móveis na Guiné-Conacri, Serra Leoa e Libéria.
A OMS indicou que a epidemia já fez 31 vítimas mortais na República Democrática do Congo (RDC), esclarecendo ainda que a doença permanece circunscrita à região noroeste do país.
Perante o atual ritmo de contágio, a agência das Nações Unidas indicou que irá demorar entre seis a nove meses, e uma verba de pelo menos 490 milhões de dólares (cerca de 373 milhões de euros), para conseguir controlar esta epidemia, que poderá atingir 20 mil pessoas.
Petição exige a líderes que impeçam «embargo total» aos países afetados
Figuras de destaque assinaram uma petição na Internet exigindo aos líderes africanos e à comunidade internacional que impeçam um «embargo total» aos países afetados pelo vírus Ébola, sublinhando que é impossível «pôr nações inteiras de quarentena».
Reconhecendo que as preocupações por trás das restrições que, por exemplo, impedem as viagens para os países mais afetados pela epidemia, são «legítimas» e destinadas a proteger as populações, os signatários recordam aos líderes africanos que têm um «dever de solidariedade» para com os vizinhos do continente e à comunidade internacional que tem «obrigações humanitárias em situações de emergência».
Os signatários do «apelo à ação urgente» publicado na página Go Petition (http://www.gopetition.com/petitions/ebola-stop-quarantine-of-entire-countries.html) – entre os quais a política e ativista moçambicana Graça Machel, ex-chefes de Estado como Olusegun Obasanjo (Nigéria) e Benjamin Mkapa (Tanzânia), vários representantes das Nações Unidas e o músico senegalês Youssou N’Dour – urgem a ambos que garantam «que o fluxo da assistência essencial possa chegar aos que dela precisam» e, ao mesmo tempo, possibilitem que «a atividade económica necessária a sustentar a vida nas cidades e aldeias» possa continuar.
Ao contrário, destacam, é necessário assegurar «corredores de acesso económico e humanitário», tanto dentro dos países afetados, como entre países.
Por isso, os signatários aplaudem a decisão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) no sentido de serem levantadas as restrições de viagem para os países mais afetados pelo vírus, que «estão a impedir o combate ao Ébola e a limitar a chegada de peritos e equipamentos essenciais, bem como de combustível para o abastecimento elétrico, medicamentos para tratar outras doenças mortíferas, como a malária, e alimentos para prevenir a fome».
De acordo com a “Lusa”, os signatários agradecem os esforços dos que, a nível local e internacional, trabalham no setor da saúde, «arriscando as suas vidas diariamente, intervindo no terreno para erradicar o flagelo do Ébola, muitas vezes sem acesso a luvas ou outros equipamentos de proteção».
O vírus Ébola transmite-se por contacto direto com sangue, fluidos ou tecidos de pessoas ou animais infetados, provocando febres hemorrágicas que, na maioria dos casos, são fatais. Não existe tratamento nem vacina, cenário que faz do Ébola um dos mais mortais e contagiosos vírus para os seres humanos.
Por isso, os peticionários instam também o setor privado, nomeadamente à Indústria Farmacêutica e à comunidade científica, a «financiar, facilitar e disponibilizar imediatamente o acesso a todos os métodos de prevenção e tratamento conhecidos» para combater o vírus.
Os signatários instam os líderes de opinião africanos – «artistas, atletas, cineastas, escritores, jornalistas, académicos» – que se envolvam em «campanhas de informação» sobre a prevenção e a transmissão do vírus.
Maior hospital de Angola prepara-se esperando que não passe da ameaça
A palavra “Ébola” ouve-se a cada corredor do maior hospital de Angola, por entre a preocupação de utentes e de profissionais de saúde, estes em preparação para algo que esperam que não passe da ameaça.
No Hospital Josina Machel, ainda hoje conhecido em Luanda como Maria Pia, nome do tempo colonial português, trabalham mais de 1.200 profissionais de saúde, entre enfermeiros e médicos.
Por dia, explicou à “Lusa” a diretora clínica, Mariquinha Venâncio, são quase 500 pessoas atendidas nas urgências da unidade, construída em 1883 e que ainda ostenta os traços arquitetónicos originais, apesar do alargamento realizado em 2005.
«A maior parte dos casos vão para uma área comum, de todos os pacientes, até identificarmos quem é quem [possíveis casos de Ébola] é um pouco difícil. Temos que ter todas as medidas de precaução em vigência nestas áreas para que haja um mínimo de contacto entre pacientes e profissionais», contou a médica, confessando preocupação com algo que escapa ao controlo do hospital.
Por entre a azáfama do dia-a-dia, ali todos se prepararam para a ameaça do Ébola, agora que o país enfrenta risco elevado de propagação da epidemia, com os primeiros casos mortais confirmados no país vizinho da República Democrática do Congo.
Além dos amplos e abertos corredores, o Hospital Josina Machel passou agora a ter também uma área totalmente fechada e isolada, junto às urgências, para quarentena de casos suspeitos de Ébola. Pode receber dois pacientes em permanência, por entre medidas de biossegurança que também já estão preparadas para evitar qualquer contacto direto entre profissionais e pacientes.
«Temos os equipamentos de biossegurança, uma série de materiais exigidos, espaço para quarenta. Ou seja, temos praticamente todas as condições criadas, estamos preparados, mas gostaríamos que não aparecesse [nenhum caso de Ébola] mesmo», desabafou Mariquinha Venâncio.
Com as condições criadas, as ações de formação dos profissionais da unidade sobre como lidar com eventuais casos de Ébola repetem-se regularmente e as perguntas, garantiu a epidemiologista do maior hospital angolano, também.
«Estamos a tentar prepará-los, com muita cautela, para que não se levantem tremendas preocupações e está a correr bem. Fazem muitas perguntas, muitas mesmo, o que é bom para que estejam bem preparados», disse a especialista Angelina Alda.
Embora com informações e conselhos espalhados por toda a unidade, os responsáveis do hospital admitem que se vê «grande preocupação» nos profissionais que ali trabalham.
«Mas não precisam de entrar em pânico perante casos suspeitos. Têm de tomar todas as medidas de precaução e evitar o contacto com os pacientes, para não se exporem tanto», rematou Mariquinha Venâncio, em jeito de manifestação de um desejo. |