Seis estudos propuseram-se analisar os efeitos sobre a eficiência dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que resultaram da transformação de alguns hospitais do setor público administrativo (SPA) em sociedade anónimas de capitais exclusivamente públicos (SA) ou em entidades públicas empresariais (EPE). Este número de estudos é considerável e é tanto mais significativo quanto se tiver em conta que, de uma maneira geral, existe muito pouca literatura sobre a eficiência dos hospitais públicos portugueses. É natural que a transformação dos hospitais do SPA em hospitais SA/EPE tenha suscitado todo este interesse. Primeiro, a alteração da natureza jurídica dos hospitais foi uma ação de grande envergadura, que envolveu um grande número de hospitais. No seu conjunto, os hospitais que foram objeto de transformação representavam aproximadamente «metade da produção hospitalar pública, dos profissionais médicos e de enfermagem, e da capacidade instalada em termos do número de camas disponíveis» (Moreira 2008). Segundo, o objetivo desta alteração foi o de «aumentar a eficiência dos hospitais» (Afonso & Fernandes 2008). É por isso normal que se quisesse depois medir os efeitos que os novos formatos de gestão e de financiamento tiveram sobre a eficiência quer dos hospitais que foram objeto de transformação, quer dos hospitais que não foram transformados. Oliveira (2002) elencou aquelas que considerou serem as razões da ineficiência dos hospitais do SPA aquando da transformação dos hospitais do SPA em hospitais SA/EPE. Primeiro, os sistemas de remuneração dos profissionais de saúde não davam os incentivos necessários para que os profissionais de saúde pretendessem aumentar a sua produtividade. Os contratos dos profissionais de saúde decorriam tradicionalmente dos contratos coletivos de trabalho. Isto fez ainda com que houvesse falta de médicos no setor hospitalar público. Segundo, os sistemas de remuneração das administrações hospitalares não proporcionavam os incentivos necessários para que as administrações hospitalares procurassem conter as despesas dentro dos limites orçamentais previstos. As administrações hospitalares não eram normalmente sancionadas quando existiam deslizes orçamentais. Terceiro, as administrações hospitalares tinham muito pouca autonomia para decidir sobre investimentos e, ou, sobre recursos humanos. A transformação de alguns hospitais do SPA em hospitais SA/EPE gerou a expectativa de que seriam melhorados os incentivos à produtividade e aumentaria a mobilidade dos recursos humanos para «reduzir as ineficiências dos hospitais onde a falta de médicos» terá atuado fortemente «como uma restrição sobre o uso dos recursos» (Afonso & Fernandes 2008). A literatura que estudou os efeitos que a alteração de alguns hospitais do SPA em hospitais SA/EPE teve sobre a eficiência dos hospitais públicos portugueses procurou essencialmente responder às três perguntas de investigação seguintes: 1) Os hospitais SA/EPE foram mais eficientes do que os hospitais do SPA? Não existiu concordância relativamente a nenhuma destas três perguntas de investigação. Sobre a pergunta de investigação 1): Gonçalves (2008) e Menezes et al. (2006) concluíram que os hospitais SA/EPE foram menos eficientes do que os hospitais do SPA. Harfouche (2012), Harfouche (2008) e Moreira (2008) concluíram que os hospitais SA/EPE foram mais eficientes do que os hospitais do SPA. Menezes et al. (2006) têm evidência que suporta a ideia de que «a organização institucional dos hospitais sob a forma SA/EPE» provocou «um aumento dos custos variáveis». Gonçalves (2008) obteve estimativas de eficiência dos hospitais do SPA que são ligeiramente mais altas do que as estimativas de eficiência dos hospitais SA/EPE. Os resultados de Moreira (2008) evidenciaram «ganhos de eficiência dos hospitais-empresa face aos hospitais que foram mantidos dentro das administrações públicas». Harfouche (2012) relata que «o ano de 2003 evidencia uma salto quantitativo» nas estimativas de eficiência de «mais cinco pontos percentuais nos hospitais transformados em empresa», e refere que, em todas as vagas de transformação de hospitais do SPA em hospitais SA/EPE analisadas, o aumento da eficiência nos hospitais SA/EPE é maior «após o primeiro ano de empresarialização» e que os aumentos de eficiência se esbatem nos anos seguintes. Sobre a pergunta de investigação 2): Moreira (2008) concluiu que foram selecionados os hospitais do SPA menos eficientes para serem transformados em hospitais SA/EPE. Sustenta que «os níveis de eficiência sugerem que os hospitais EPE eram menos eficientes que os SPA antes da reforma». Menezes et al. (2006) admitiram a hipótese de terem sido escolhidos os hospitais menos eficientes. Harfouche (2008) concluiu o oposto. Refere que «os hospitais selecionados para integrarem o conjunto dos hospitais SA dispunham, no momento da sua transformação, de uma eficiência técnica superior aos que não foram transformados, o que permitiu à luz de novas regras de gestão mais flexíveis potenciar a sua eficiência». Harfouche (2008) acrescenta ainda que isto «está em consonância com o facto conhecido de terem sido escolhidos pelo Governo os mais eficientes para serem transformados». Gonçalves (2008) chegou a uma terceira conclusão. Concluiu «que a escolha dos hospitais que vieram a ser objeto de transformação em unidades SA não está associada a um processo de enviesamento de “escolha de vencedores” ou “dos melhores”», e que sob uma perspetiva de análise de eficiência, «a escolha dos hospitais foi equilibrada». Sobre a pergunta de investigação 3): Moreira (2008) concluiu que o diferencial de eficiência entre os hospitais SA/EPE e os hospitais do SPA diminuiu ao longo do tempo. Refere que os hospitais SA/EPE eram menos eficientes antes de serem alterados mas que «registaram ganhos de eficiência face aos hospitais do SPA» e «melhoraram a sua posição relativa» nos anos subsequentes. Isto apesar de os efeitos estarem «longe de ser expressivos». Gouveia et al. (2006) concluíram que o diferencial de eficiência entre um grupo e o outro terá aumentado ao longo do tempo em benefício dos hospitais SA/EPE. Harfouche (2012) e Harfouche (2008) concluíram que o diferencial de eficiência entre os dois grupos de hospitais se manteve constante. Moreira (2008) chama a atenção para o facto de «parte dos desenvolvimentos favoráveis no grupo dos hospitais empresarializados» poder «decorrer de maiores cuidados no registo da informação, presumivelmente uma consequência dos contratos-programa». Harfouche (2008) também atribuiu importância aos contratos-programa e ao maior cuidado que teve forçosamente de existir no registo da informação. Refere que os hospitais empresarializados aparecem como sendo mais eficientes do que os hospitais do SPA em 2001 e que esta situação se inverte em 2002 «muito provavelmente» porque na sequência da transformação dos hospitais, houve também alterações das normas contabilísticas, designadamente a «utilização, pela primeira vez, de contas de acréscimos e diferimentos». Os hospitais empresarializados voltam depois novamente a aparecer como sendo mais eficientes do que os hospitais do SPA em 2003, e até com «médias superiores a 2001». Importa realçar que todos estes estudos usaram métodos empíricos diferentes, e amostras e dados diferentes, e que, por esta razão, dificilmente se podem comparar os resultados. Referências bibliográficas: Afonso, A. & Fernandes, S., 2008. Assessing Hospital Efficiency: Non-parametric Evidence for Portugal, João Marques Gomes (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores).
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