O debate sobre as diferenças de tratamento entre homens e mulheres tem estado na ordem do dia em vários países. Quanto à existência de diferenças, há acordo. Quanto ao facto de “serem naturais”, as opiniões dividem-se. A evidência demonstra que estas diferenças estão apenas assentes em representações sociais e preconceitos que se reproduzem há gerações e, portanto, devem ser combatidas.
É um facto que, em média, as mulheres ganham menos do que os homens. Em Portugal, se olharmos para o salário médio, por mês, com horas extra, subsídios ou prémios, as mulheres recebem cerca de 80% daquilo que um homem recebe [1]. O cenário só piora com o avançar da idade. As mulheres têm mais dificuldade em progredir nas suas carreiras e, consequentemente, em atingir os lugares com as remunerações mais elevadas. Naturalmente que estas diferenças também se vão repercutir no valor das pensões que os homens e as mulheres vão receber quando se reformarem.
Em países onde as mulheres têm a liberdade de poder estudar, o seu sucesso académico é superior ao dos homens [2]. Porém as mulheres continuam sub-representadas nas posições de topo, no mundo empresarial, na academia, na política, enfim, nos cargos de decisão. Assim, não é de estranhar que, nas agendas estratégicas dos vários stakeholders, ações que visem promover ativamente a igualdade de tratamento entre os géneros não estejam presentes ou, quando estão, estão-no de forma envergonhada.
Cerca de 10% dos agregados domésticos em Portugal correspondem a famílias monoparentais [3] e quase 90% correspondem a agregados onde a mãe vive com os filhos [4]. Estas famílias tendem a ter rendimentos mais baixos e piores condições de vida, o que tem implicações na saúde, presente e futura, destas mulheres e dos seus filhos.
De um modo geral, as mulheres são mais doentes e utilizam mais os serviços de saúde, vão mais vezes ao médico, fazem mais meios de diagnóstico, tomam mais medicamentos. No entanto, as suas queixas tendem a ser desvalorizadas pelos médicos. Num artigo sobre equidade de género no tratamento para doenças cardíacas, que foi publicado em 2010 e onde sou co-autora, constatou-se que as mulheres eram alvo de menos cateterizações e revascularizações em comparação com os homens para níveis idênticos de severidade da doença [5]. Encontraram-se três teorias na literatura que justificavam as diferenças: 1) a deteção da doença é mais difícil nas mulheres; 2) as mulheres têm mais dificuldade em recuperar das intervenções; 3) as mulheres têm menos vontade de ser tratadas. Constatou-se que nenhuma das teorias era confirmada por dados empíricos. A principal razão subjacente às diferenças de tratamento assentava em preconceitos inconscientes ou percepções por parte dos clínicos. As diferenças mais importantes ocorrem no momento do diagnóstico, o que faz com que mais mulheres acabem por ser admitidas através da urgência, com prognósticos piores, o que acaba por se traduzir numa maior mortalidade para as mulheres.
É reconhecido que as mulheres estão sub-representadas nos ensaios clínicos. Sendo os ensaios clínicos o padrão no que diz respeito à geração de evidência robusta sobre a efetividade de um tratamento, deixar as mulheres de fora significa que há poucas certezas para este grupo de doentes. Esta situação mereceu particular atenção por parte da FDA. que decidiu fazer de 2016 o “ano da diversidade nos ensaios clínicos”[6].
Um artigo publicado na “Scientific American” de setembro de 2017 [7] volta a chamar a atenção para o problema e para o impacto que o desconhecimento sobre o efeito dos tratamentos nas mulheres tem sobre a qualidade dos cuidados prestados às mesmas.
É preciso a colaboração de toda a sociedade para que aumente a participação das mulheres nos ensaios clínicos e para que os médicos e os decisores se libertem dos seus preconceitos inconscientes. Impôr uma percentagem mínima de mulheres a recrutar para os ensaios clínicos seria um passo na direção certa. Incluir na formação dos clínicos a discussão dos preconceitos inconscientes seria outro. Promover a ascensão de mulheres a posições de liderança também.
As mulheres merecem!
Céu Mateus
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
[1] https://www.pordata.pt/Portugal/Disparidade+entre+sexos+no+ganho+m%c3%a9dio+mensal+dos+trabalhadores+por+conta+de+outrem+total+e+por+n%c3%advel+de+qualifica%c3%a7%c3%a3o-3023
[2] https://www.pordata.pt/Portugal/Disparidade+entre+sexos+no+ganho+m%c3%a9dio+mensal+dos+trabalhadores+por+conta+de+outrem+total+e+por+n%c3%advel+de+qualifica%c3%a7%c3%a3o-3023
[3] https://www.pordata.pt/Portugal/Agregados+dom%c3%a9sticos+privados+monoparentais+total+e+por+sexo+-20
[4] https://www.pordata.pt/Portugal/Fam%c3%adlias+cl%c3%a1ssicas+monoparentais+do+sexo+feminino+(percentagem)-532
[5] Perelman J, Mateus C, Fernandes A (2010). Gender equity in treatment for cardiac heart disease in Portugal, Social Science & Medicine, Volume 71, Issue 1. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277953610002704?via%3Dihub
[6] https://blogs.fda.gov/fdavoice/index.php/2016/01/2016-the-year-of-diversity-in-clinical-trials/
[7] http://www.nature.com/scientificamerican/journal/v317/n3/full/scientificamerican0917-52.html?WT.ec_id=SCIENTIFICAMERICAN-201709&spMailingID=54718529&spUserID=ODkwMTM2NjQyNAS2&spJobID=1222702878&spReportId=MTIyMjcwMjg3OAS2&foxtrotcallback=true